A ECONOMICIDADE NOS GASTOS PÚBLICOS
Antonio Roque Citadini
O Tribunal de Contas tem agora poderes ampliados avaliando doravante a “economicidade” dos gastos públicos.
Pelo caráter inovador da norma a que trataremos do assunto com maior profundidade, na tentativa de chegar a melhor entendimento do que significa a fiscalização quanto à economicidade, seja na teoria, seja na prática.
Para tanto, partindo da definição dada pelo respeitado dicionário Aurélio, de que economicidade abrange a qualidade ou caráter do que é econômico, ou que consome pouco em relação aos serviços prestados, vemos que a expressão está diretamente ligada à ciência econômica ou à economia política, cujo centro de atenção é a atividade humana voltada para a produção de riquezas, segundo suas necessidades. Realmente, a evolução da sociedade demonstra um permanente esforço de crescimento para fazer frente às necessidades – em outras palavras, para conseguir maiores resultados com os meios disponíveis. Daí a Idéia de economicidade ou do que é econômico envolver atos e comportamentos expressos como eficientes, produtivos, eficazes, rentáveis e outros, ou ainda, noutro sentido, o oposto do “desperdício”.
Por outro lado, se os Estados surgiram como forma de a sociedade no organizar para a execução do bem comum, é certo que foram necessárias normas superiores de natureza financeira e após inclusive de ordem econômica, a fim dele Estado poder custear a Administração Pública e atender aos fins sociais da coletividade. Com isso a Economia se politizou e passou a fazer parte da ordem jurídica dos tempos modernos, dando vez ao chamado “Direito Econômico”.
É curioso destacar que, ao pesquisar o assunto, não encontramos nos clássicos de economia nenhuma abordagem específica sobre a economicidade, enquanto em obra relativa ao Direito Econômico, publicada pela Revista dos Tribunais em 1973, o Professor Modesto Carvalhosa afirma-nos que a economicidade é o núcleo fundamental das normas da nova disciplina, bem como é a palavra que sintetiza os termos racionalidade .econômica ou econômico racional.
Para ele, a maior parte das normas jurídicas possui conteúdo econômico, porém as normas do Direito Econômico superam o caráter genérico do econômico para se situar no específico da economicidade, apresentando um núcleo caracterizado pela racionalidade econômica a serviço da realização do justo no âmbito sócio-econômico.
A economicidade é pois, a técnica econômica aplicada no tratamento do fato ou dado econômico, o qual se insere na técnica legislativa, tendo como objetivo a realização do justo sócio-econômico. É ainda a técnica economicidade que imprime à vontade política da justiça os limites racionalmente factíveis e previsíveis de sua efetivação no plano de necessidades e aspirações pessoais e coletivas do Homem.
A aplicação de critérios de economicidade, por envolver questões de política econômica e financeira e de ciência econômica aplicada, constitui para o referido professor um dos mais difíceis problemas para o Estado, seja para formular o plano econômico geral, seja na oportunidade de exprimi-lo normativamente.
Isto porque o conteúdo de economicidade das normas de Direito Econômico reflete a política econômica a adotada. Tendo o Estado finalidades próprias no plano social e contando com entidades de administração indireta para atingir seus objetivos, deve levar em conta que essas atividades visam primordialmente o lucro, além do fim social, o que somente através de uma estrutura eficiente, unitária e geral, poderão ser obtidos os resultados desejados.
Mas o Estado conta também com a livre iniciativa para atingir seus fins, e assim uma das premissas que deve nortear o critério da economicidade das normas é o da eficiência econômica da entidade privada: a norma jurídica deve proporcionar o efetivo exercício dos meios e dos fins próprios do setor privado, cuja finalidade principal é o lucro.
Portanto devem ser conciliados os critérios da eficiência econômica com o da eficiência social, donde os critérios da economicidade levam em conta a Política econômica do Estado e a concreta realidade do mercado.
Conforme o ilustre Professor, o critério normativo de economicidade regula no plano jurídico o mérito de um comportamento econômico. Impõe um dever jurídico de conduta aos sujeitos da atividade empreendedora no sentido de programar e desenvolver a gestão dessas atividades segundo critérios econômicos e racionais previstos na lei. Traduz-se por um critério de conduta econômica, juridicamente imposto ou sugerido às entidades produtoras de serviços.
Desta forma, a economicidade outorga às normas de Direito Econômico a necessária instrumentalidade para a realização dos fins sócio-econômicos para os quais foram criadas. Ainda que seu fundamento seja ético, sua formulação não pode prescindir na racionalidade econômica. A racionalidade das relações entre meios e fins e é imprescindível para o bom andamento das obras e projetos; os meios devem ser ajustados aos fins. Os fins são políticos e os meios econômicos.
Assim, o objetivo será realizar o máximo rendimento dos recursos disponíveis, com a utilização de um método de apropriação de dados que leva em conta os interesses da coletividade e os fatores sociais do mercado, num determinado tempo e espaço.
De acordo ainda com o Professor Carvalhosa, um dos objetivos específicos que deve ser procurado através dos critérios de economicidade e i da auto-suficiência econômica das unidades e setores. É lógico que a economicidade não propõe por si só levar as entidades à obtenção de um resultado final ótimo, já que isso depende do conjunto de condições internas e externas, estruturais e conjunturais. Porém, com certeza é um método de exclusão das atividades improdutivas, supérfluas e anti-sociais, além de inadequadas.
Agora, retomando o tema sob outra visão, mais prática, vê-se que para o controle da economicidade é importante que se controle a organização, pois uma correta organização é base para a condução econômica da Administração.
Aqui se coloca o problema do controle de despesa, se deve ser feito “a priori” ou “a posteriori”. O ex-ministro Seabra Fagundes, com a sua autoridade de mestre, afirmava que deve ser “a priori”, como ocorre na Alemanha. Indaga-se, também, se neste caso o Tribunal não estaria penetrando no campo da discricionariedade do Estado. Este pode, visando o bem público, decidir onde, como e quando agir.
Entretanto, mesmo que o Tribunal de Contas verifique “a priori” os gastos, não significa na prática que esteja penetrando no campo da discricionariedade do Estado: aí se localizam as metas, os objetivos e os fins. Aliás, a Constituição de 88 (Art. 165 e seg.) é muito afirmativa quanto à competência e relevante missão reservadas ao Executivo e Legislativo em matéria de finanças públicas e orçamentos.
Os meios devem ser os mais econômicos, eficientes, práticos e eficazes E isto o Tribunal pode analisa, verificando se está ocorrendo a otimização dos custos e a funcionalidade dos meios na consecução da meta estabelecida.
É conhecida a experiência alemã no tocante ao exame da economicidade. Lá, é comum o exercício dessa fiscalização sobre, por exemplo, projetos e construções de obras públicas, em todas as fases, utilizando-se, dependendo do caso, técnicas diferentes, embora a combinação de uma ou mais produza excelentes resultados. Destacamos aqui a chamada Auditoria Transversal, pela qual procurasse verificar determinado assunto numa série de órgãos públicos ao mesmo tempo e de maneira uniforme a fim de acumular conhecimentos básicos que permitam informar o Legislativo de modo resumido o eficiente como a Administração esta se desincumbindo de suas funções focalizando a economicidade, se as normas regulamentares estão sendo devidamente aplicadas e se o método utilizado é o mais viável, objetivo e econômico.
Ademais, não podemos esquecer que a inclusão da economicidade no texto constitucional vigente, embora novidade, está ligada a 2 princípios clássicos e informativos de nosso Direito Administrativo, quais sejam, o do interesse público e o da eficiência. Diríamos então que, se antes a economicidade era implícita, hoje, pela autonomia alcançada, ela é outro princípio constitucional a que todo administrador público fica obrigado a considerar.
Sem dúvida que as transformações havidas com a nova Constituição estão a exigir grandes esforços por parte da Administração. Os Tribunais de Contas precisarão contar com pessoas qualificadas, especialistas, para serem treinadas, com experiência na área pública, a fim de efetuarem fiscalização mais abrangente no futuro, cumprindo com seu papel.
Antonio Roque Citadini é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
O Estado de S.Paulo, 30/04/1989, p. 40.