ACORDO ENTRE BANESPA, GOVERNO DO ESTADO DE SP E O BANCO CENTRAL
Antonio Roque Citadini
Desde que anunciado, o acordo Banespa/Banco Central/Governo do Estado de São Paulo, que hoje se encontra submetido à aprovação da Assembléia Legislativa, imediatamente surgiram opiniões na área federal e em governos de outros estados, afirmando basicamente a mesma coisa: que o acordo é favorável ao governo do Estado, que beneficia São Paulo, que favorece os paulistas etc.
Mesmo sem qualquer conhecimento aprofundado e seguro sobre
a dívida, prazos, pagamentos, juros etc, propalou-se quase que unanimemente, pela Imprensa, a generosidade do governo federal para o Estado de São Paulo nessa tratativas.
Nada disso é verdade.
O acordo, longe de constituir-se em favorecimento ao Estado de São Paulo, é duríssimo com a maior unidade da Federação, injusto com os paulistas, onerosíssimo para os contribuintes do Estado e trará graves comprometimentos para o futuro de todas as finanças do Estado.
Chegou-se ao acordo em cima de uma propalada dívida de cerca da US$ 15 bilhões, que o Estado terá que Saldar a longo prazo, em pagamentos mensais que se afirma por volta de US$ 50 milhões, ou até US$ 100 milhões, em outras opiniões.
Em nenhum momento, no entanto, explicita-se o detalhamento dessa monstruosa dívida de US$ 15 bilhões, que tanto sangrará as finanças do Estado nas próximas décadas. Embora o Banespa, cobrador, não tenha, até hoje, conseguido explicar com precisão, tem-se que essa divida tem três origens:
1º) duas operações ARO (antecipação de receita orçamentária) de cerca de US$ 600 milhões, das quais parte, apenas dos juros, foi paga;
2º) adviria de empréstimos aproximadamente em valores equivalentes àquelas operações ARO, feitas por secretarias e autarquias;
3º) em valores também aproximados às primeiras, de avais de empréstimos contraídos pela Ceagesp, Cetesb, Dersa, Metrô e universidades.
O total dessa dívida era, no início dos anos 90, por volta de US$ 2,5 bilhões e, sentido consolidação informada pelo próprio Banespa, em 15.6.92 totalizam US$ 1,4 bilhões.
É certo que, a partir desse período, não houve mais nenhum empréstimo bancário do Banco do Estado, verificando-se, pois, que a correção da dívida, para expandir-se de US$ 1 até os US$ 15 bilhões, em prazo inferior a cinco anos, ocorreu apenas em virtude dos juros insanos aplicados pelo Banco Central brasileiro, praticados nesses últimos anos.
Aspecto grave é que, com o acordo, São Paulo abre mão da discussão dessa dívida maluca, é que ganhou as proporções citadas pela cobrança de juros sabidamente impagáveis.
Com tal acordo, na próximas décadas, dir-se-á que São Paulo terá que pagar uma dívida inquestionável, mensalmente pesada, sem que possa questionar a gênese desses monstruosos US$ 15 bilhões.
Na verdade, o acordo é excelente para a União, porque consagra a cobrança de um credor certo de uma dívida quase que escritural, vale dizer meramente contábil, quase obra de ficção do Banco Central contra São Paulo.
Caber-nos-ia questionar esses juros, como de resto soube fazer, em hipótese semelhante, brilhante mente, o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, em pleno Estados Unidos, mesmo tendo gerado uma fortíssima reação norte-americana contra o pedido de abatimento de juros da dívida externa brasileira.
Observa-se que o pedido de abatimento era de juros americanos, que variavam entre 6% e 15%, coisa muito diferente dos juros estabelecidos pelo BC brasileiro que, sempre acima de 20% ao ano, inflaram artificialmente a dívida, do Estado de São Paulo para com o Banespa.
Quando da assinatura final dos acordos para o pagamento da dívida externa brasileira, ficando consagrada a tese de que havia necessidade de abatimento dos elevados juros fixados pelo banco central americano, o presidente Fernando Henrique Cardoso homenageou o Ministro Bresser pela luta que permitiu encontrar solução para que o pagamento da dívida externa se tornasse exeqüível para o Brasil.
Aquela solução, encontrada pelo Brasil (alguns países conseguiram até mesmo perdão de parte do principal) foi boa porque estabeleceu abatimento de juros, alargamento de prazos e condições razoáveis de pagamento.
No caso da dívida de São Paulo com o Banespa o Estado paga tudo, não discute nada, aceita uma dívida que afinal é fruto de juros insanos e impagáveis.
O acordo é pesadamente oneroso ao Estado, ainda que queiram informar ser ele generoso.
Antonio Roque Citadini é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
(Diário Comércio & Indústria, DCI, 02-02-1996, p. 4)