AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Antonio Roque Citadini *
A propósito, menciona-se recentíssima decisão unânime do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar estadual nº. 709, de 14 de janeiro de 1993 – Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Sustentava-se que a lei impugnada teve origem em projeto encaminhado à Assembléia Legislativa pelo Tribunal, ao qual o artigo 24 da Constituição Federal não atribuía competência para iniciativa do processo legislativo, não se podendo interpretar a remissão do artigo 31 da mesma Constituição faz ao artigo 96 da Constituição da República como atributiva daquela competência, como ocorre com o Tribunal de Justiça, que é órgão superior do Poder Judiciário.
Transcrevem-se, adiante, alguns trechos do Relatório e Voto do Relator, Desembargador Mário Salles Penteado “o Tribunal de Contas surge, em nosso direito, como uma idéia matriz, que o acompanha em todo o seu desenvolvimento histórico. Essa idéia é a de sua necessária independência funcional, de forma a imunizá-lo de pressões, seja do Poder Executivo, seja do Poder Legislativo, em cujo âmbito veio a se situar, como órgão auxiliar, mas não subordinado” (…) Prossegue o Voto do Eminente Desembargador Relator, citando a já mencionada Exposição de Motivos do Decreto nº. 966-A, de 7 de novembro de 1890, na qual RUY BARBOSA concebia o Tribunal de Contas como “corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, não pertencendo, portanto, nem a uma, nem a outra, mas colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças”.
Continua “Levantar-se-ia” (“verbis”: “Convém levantar”, lê-se na referida Exposição de Motivos) ele, assim, entre um e outro daqueles Poderes, como “um mediador independente, auxiliar de um e de outro”, que “comunicava” com a legislatura e “intervinha” na administração. Vejam-se, aí, dois traços característicos: o de órgão auxiliar, concebendo-se, então, tanto do Poder Executivo, quanto do Poder Legislativo, mas independente, “comunicando com a legislatura e intervindo na administração”.
Depois de historiar a posição do Tribunal e as garantias dos seus membros, nos vários ordenamentos constitucionais, diz o Relator: “Estas mesmas garantias — da magistratura — lhes atribuiu… a Carta de 1967 (artigo 72 – § 3º), embora concebendo o Tribunal de Contas conforme a técnica seguida desde 1946, como órgão auxiliar do Poder Legislativo (artigo 71 – § 1º); auxiliar, repita-se, mas não subordinado; independente e, por isso, com Ministros revestidos dos predicamentos da Magistratura” (…).
“Assim continua a ser na vigente Constituição da República: o Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar do Poder Legislativo (artigo 71, “caput”); auxiliar, mas não subordinado; independente e, por isso, com Ministros revestidos das “mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça” (artigo 73, § 3º)”. Como se vê desta linha de evolução histórica, o Tribunal de Contas termina por ser em nosso direito um órgão auxiliar do Poder Legislativo; auxiliar, mas independente, no exercício de suas funções. Passa o Relator a mencionar voto do Ministro MOREIRA ALVES, proferido no Supremo Tribunal Federal, acolhido pela unanimidade do Pleno (R.T.J., 114/86), e afirma: “esta independência é ínsita a esses Tribunais em face do Poder Executivo”, prosseguindo: “A independência pode-se acrescentar, lhes é ínsita, também, em face do Poder Legislativo, no que diz respeito ao exercício das funções, embora sejam dele órgãos auxiliares. (…)
A independência funcional é, portanto, uma característica básica do Tribunal de Contas, no direito brasileiro, tanto da União, quanto dos Tribunais estaduais, pois os estaduais devem seguir o modelo do Tribunal da União, em suas linhas básicas, “ex vi” do artigo 75 da Constituição da República. (…)
Por causa desta mesma independência, o Colendo Supremo Tribunal Federal reconheceu aos Tribunais de Contas estaduais o poder de iniciativa do processo legislativo” (R.T.J., 73/560, Relator o Ministro THOMPSON FLORES)”.
Depois de mencionar diversas decisões do S.T.F., declarando inconstitucionais Constituições e leis estaduais, que não respeitaram este poder de iniciativa, diz o Relator: “embora o Tribunal de Contas não esteja previsto no artigo 24 da Constituição do Estado, entre titulares da iniciativa do processo legislativo, ele a tem, em virtude da remessa que o artigo 31 traz ao artigo 96 da Constituição da república; remessa que não se limita ao inciso I deste último, mas se estende ao inciso II, pois a criação e a extinção de cargos se encontra mencionada neste último e a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal considerou privativa das Cortes de Contas estaduais a iniciativa legislativa a este respeito.
Dir-se-á que, aqui, não se cuida somente disso, mas sim, de uma Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado. Neste ponto, dada mesmo à independência funcional ínsita no Tribunal de Contas, é que se lhe há de reconhecer iniciativa do processo legislativo, pois que se cuida de lei que regula seu funcionamento, como órgão e órgão autônomo: Lei Orgânica.
À independência funcional, ínsita no Tribunal de Contas, deve corresponder um certo grau de autonomia, isto é, de normatividade própria. O voto, acima citado, do eminente Ministro MOREIRA ALVES, aliás, emprega a expressão “autonomia ínsita”, e não, “independência ínsita”. (…)
Ora, autonomia não consiste somente em ter uma normatividade própria, mas em produzir suas normas (…) implica (…) produção legislativa própria (…)
A autonomia do Tribunal de Contas, autonomia que não pode faltar ao deste Estado, exige que ele tenha iniciativa para desencadear o processo legislativo de sua Lei Orgânica (…)”. Da ementa do v. Acórdão destaca-se: “O Tribunal de Contas do Estado usou de competência ínsita em sua autonomia para iniciar o processo legislativo de sua Lei Orgânica”. (vide v. Acórdão de 3 de maio de 1995, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 19.356-0/8 da Comarca de São Paulo.
No Brasil, os Tribunais gozam da mesma autonomia administrativa assegurada aos Tribunais Judiciários, podendo encaminhar projetos de lei sobre pessoal, administrando seus recursos e serviços, bem como provendo os cargos de seus funcionários (C.F., art. 73). Ademais, também compete aos Tribunais fixar seus roteiros de fiscalização, sua abrangência e os meios pelos quais promoverá o controle (C.F., art. 71) e, da mesma forma que o órgão de controle norte-americano, realizará auditorias solicitadas pelo Congresso Nacional (C.F., art. 71, IV).
(*) Fragmento do livro “O Controle Externo da Administração Pública”, de Antonio Roque Citadini, Editora Max Limonad Ltda, p. 78-80, 1ª ed., 1995, São Paulo.
REVISTA DO TCE/PI, ANO XXIII, Nº 05, JANEIRO/97, P. 27-29.