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NOVAS REGRAS PARA AS DESPESAS COM ENSINO

NOVAS REGRAS PARA AS DESPESAS COM ENSINO

Antonio Roque Citadini (*)

A partir do corrente exercício, em decorrência da alteração havida na legislação, deverão as Prefeituras dar especial atenção às mudanças que recentemente ocorreram nas regras estabelecidas para as despesas que serão aceitas como destinadas à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.

Cabe recordar, por oportuno, que em julho de 1985 para disciplinar o disposto na Constituição vigente à época, – neste particular com a Emenda Constitucional nº 24, de julho de 1983 (conhecida por Emenda Calmon) – entrou em vigor a Lei nº 7.348, também chamada de Lei Calmon, que regulamentou, naquele momento a questão das referidas despesas com ensino, estipulando em seu art. 6º, § 2º as que não seriam consideradas como tais, estando entre elas as despesas com pesquisa não vinculada ao ensino ou que não visasse ao aprimoramento da qualidade e da expansão do ensino, bem como as subvenções às instituições privadas e as que se destinassem à formação específica de quadros para a Administração Pública.

Antes da Constituição de 1988 os Estados e Municípios que não aplicassem no ensino o mínimo constitucionalmente exigido eram proibidos de receber os repasses financeiros, a título de subvenções e auxílios, respectivamente da União e dos estados. Após 1988 esta penalidade foi mantida e acrescentou-se para os municípios a possibilidade de intervenção estadual.

Além disto, a falta de comprovação pelos Municípios do Estado de São Paulo, da aplicação no ensino no limite mínimo legalmente exigido, recebia do Tribunal de Contas do Estado, rigoroso tratamento que implicava na emissão de parecer prévio no sentido da rejeição das contas do Município.

Importa considerar ainda o fato da vinculação dos gastos à lei orçamentária. Conquanto haja os que defendem pensamento contrário, é relevante o argumento dos que são a favor da vinculação, uma vez que a Constituição Federal considera o ensino como “programa de Estado”. E desta forma, a vinculação se mostra como algo de vital importância para que se dê efetivo cumprimento ao programa constante na Constituição.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, no seu mister de fiscalizar os municípios, prestou-lhes a necessária contribuição ao elencar, à época, de forma clara por meio de Instruções próprias (em especial as de nº 2/89 e 10/89), os tipos de despesas aceitáveis como de aplicação no ensino, dentro do espírito da legislação em vigor. E como resultado facilitou, por certo, a gestão administrativa dos municípios.

Agora, atento às modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 14, de outubro de 1996, pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 -, e também pela Lei 9.424/96, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, o Tribunal adotou posição frente à nova . Em Sessão Plenária de 2 de julho último, deliberou considerar as regras até aqui vigentes como válidas para os exercícios de 1996 e 1997.

Verificando o teor do art. 71 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – tem-se de forma muito clara a relação das despesas que nos exercícios vindouros não poderão ser consideradas como destinadas à manutenção e desenvolvimento do ensino. São as realizadas com:

“I – pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou a sua expansão;

II – subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;

III – formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV – programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

V – obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;

VI – pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Faz-se necessário ressaltar, assim, que o novo ordenamento jurídico impede os investimentos maciços e continuados em ações governamentais que, embora necessárias, úteis e até aceitáveis do ponto de vista social, não se destinem exclusiva e diretamente à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Assim é que mesmo tendo sido até agora sempre aceitas, doravante, para a nova lei inaceitáveis serão as despesas que vierem a ser feitas com merenda escolar, assistência médica, odontológica, segurança nas escolas, ou qualquer outra com assistência social, e também as despesas de infra-estrutura beneficiando escolas, como as de asfaltamento de ruas, rede de iluminação, e outras.

Pelo disposto no artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os constituintes de 1988 entenderam que o prazo de dez anos – portanto até 1998 -, seria suficiente para que o Poder Público desenvolvesse esforços para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. Entenderam mais que para isto bastaria a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios destinarem ao ensino fundamental, pelo menos 50% (cinqüenta por cento) dos recursos que obrigatoriamente deviam aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino. Só para lembrar, o artigo 212 da Constituição exige a aplicação mínima da receita de impostos, de 18% por parte da União e 25% dos estados, Distrito Federal e municípios.

É desanimador verificar que o prazo de dez anos – embora aparentemente longo -, mostrou-se, na realidade insuficiente, para que se alcançasse o objetivo de se erradicar o analfabetismo. Isto se afirma pela estatística divulgada pelo IBGE, que demonstra a existência, em 1980, de 32.731.347 pessoas que não sabiam ler e escrever para uma população de 102.579.006, o que significa 31,9% e em 1995 – último dado divulgado – havia uma população de 137.285.234, sendo destas, 26.048.623 pessoas que não sabiam ler e escrever, o que representa 18,9%. Houve, é verdade, uma diminuição, mas que ainda se mostra muito distante da meta de erradicação. Mais de vinte e seis milhões de pessoas analfabetas é um contingente exagerado.

A situação se agrava, chegando a ser desoladora, se atentarmos para a população infantil na faixa dos 5 aos 9 anos de idade. O quadro é realmente triste, pois, em 1980 (8 anos antes da atual Constituição) as estatísticas do IBGE, haviam 14.773.741 de crianças nesta faixa, das quais 46,75% (6.907.149) que não sabiam ler e escrever. Em 1995 os números do mesmo IBGE indicam a existência de 16.348.829 crianças de 5 até 9 anos de idade, sendo que 50,17% (8.202.763) na condição de analfabetas.

Logo, estes dados mostram que a falta de escolaridade das crianças na faixa de idade dos cinco aos nove anos, traz como conseqüência a impossibilidade de erradicar o analfabetismo, como era a meta. Aliás, vê-se que sequer teve diminuição, pois, ao contrário, aumentou, tristemente, de 46,75% em 1980 para 50,17% em 1995. E cabe ainda registrar que esses números não consideram a população da zona rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima e Amapá, fato que, com certeza, serviu para minimizar o resultado tão alarmante.

Nesse contexto, tem-se a alteração do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trazida pela Emenda Constitucional nº 14, de outubro de 1996. Entre as novidades é que novo período de dez anos é estabelecido para que os estados, o Distrito Federal e os municípios, do percentual mínimo a que estão obrigados a despender com ensino, destinem “…não menos de 60% (…) à manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização do seu atendimento e à remuneração condigna do magistério”. A nova redação do “caput” do artigo 60 não mais fala em erradicação do analfabetismo. Esta meta consta, porém, do parágrafo 6º quando se refere à aplicação, por parte da União e exige que não menos de 30% dos recursos ali definidos o sejam para aquele fim e para o desenvolvimento do ensino. O que de fato importa para se alcançar a almejada erradicação é muito mais a efetiva ação determinada neste sentido – e é o que se espera – que o simples enunciado do texto legal.

Além dessa alteração do “caput” do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a referida Emenda regulamentou, também, a forma de colaboração entre os Municípios, Estados e a União, já prevista no artigo 211 da Constituição para os seus sistemas de ensino, objetivando, com isto, a universalização do ensino obrigatório. Ficou reservada à União a função de organizar o sistema federal de ensino, financiar as instituições federais de ensino público e também garantir equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade do ensino, implicando tal função, em proporcionar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

O ensino fundamental e a educação infantil passou a ser prioridade dos municípios, enquanto a dos estados passou a ser o ensino fundamental e médio.

Para assegurar a distribuição de responsabilidade e recursos entre os Estados e Municípios, a referida Emenda previu a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, tendo disciplinado a maneira de sua constituição e previsto um valor mínimo nacional, por aluno, a ser definido. Em 24 de dezembro de 1996, com a Lei nº 9.424 tivemos a criação do fundo, com vigência obrigatória a partir de 1998 e prevendo que o presidente da República definirá, por ato próprio, o valor mínimo anual por aluno; para o primeiro ano de vigência da lei – 1997 – no parágrafo 4º do seu art. 6º ficou estabelecido o valor de R$ 300,00 por aluno. Para o ano de 1998, por meio do decreto nº. 2.440, de 23 de dezembro de 1997, fixou o valor de R$ 315,00 por aluno.

Permitiu, ainda, aquela lei, que os estados pudessem antecipar a implantação do Fundo, podendo, portanto, fazê-lo ainda no exercício de 1997. No caso do Estado de São Paulo, o referido Fundo só foi implantado a partir de 1º de janeiro de 1998, por meio do Decreto nº 42.778, de 31 de dezembro de 1997, que também dispôs sobre a constituição do Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social. Tal Conselho será presidido pelo secretário da Educação, quando este comparecer às reuniões, ou pelo representante da Pasta, quando ausente o titular. Cabe ao Conselho fazer o acompanhamento e o controle social sobre a aplicação, repartição e transferência dos recursos provenientes do Fundo.

Criou-se, assim, como se vê, a municipalização do ensino e se estabeleceu algumas regras novas, entre as quais a da obrigatoriedade de haver registros contábeis e demonstrativos gerenciais, mensais e atualizados, que ficarão à disposição permanente dos Conselhos – também instituídos pela mesma Lei – e do Tribunal de Contas.

Interessante ressaltar ainda que a nova Lei de Diretrizes e Bases exige que as diferenças entre as receitas e despesas previstas e realizadas, sejam apuradas e corrigidas a cada trimestre financeiro, para a efetiva aplicação do percentual mínimo exigido, resultando disto não mais estar autorizada a compensação no exercício seguinte antes aceita pela Lei Calmon.

Por todo o exposto, mostra-se de toda conveniência que os ilustres prefeitos e vereadores atentem, desde logo, para as inovações trazidas pela legislação, levando-as em conta no momento da elaboração e discussão da lei orçamentária. Isto é importante para que haja o pleno atendimento aos dispositivos constitucionais e legais e assim sendo feito estará facilitada a atuação do Tribunal de Contas no exercício de sua competência constitucional de fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à educação.

(*) Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e autor dos recentes livros O Controle Externo da Administração Pública e Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas (Ed. Max Limonad).

(Diário Comércio & Indústria, DCI, 30-06-1998 e 01-07-1998)