SOBRE O VULNERÁVEL PARLAMENTARISMO
Antonio Roque Citadini *
Os adeptos do sistema parlamentarista de governo defrontam-se com, pelo menos, cinco problemas que terão de ser superados, para a implantação de um parlamentarismo estável no Brasil. A primeira questão leva a indagar se será razoável confiar o poder a um Parlamento cuja composição está viciada.
A composição da Câmara dos Deputados apresenta hoje defeitos gravíssimos. Sua formulação, como está na Constituição, reforça as bancadas dos estados pequenas, geralmente do Norte e Nordeste, que têm folgada maioria sobre os estados mais populosos do Centro, Sudeste e Sul, de maior participação na economia do Pais.
Recente estudo de um deputado federal paulista, divulgado pela imprensa, acrescenta impressionantes comparações, que denotam que a questão da atual desproporcionalidade deve ser resolvida previamente à implantação do parlamentarismo, pois, como salienta, os oito menores estados em eleitorado, que somam 4 milhões de eleitores, têm 64 deputados federais, quatro mais do que São Paulo, que, com 18,7 milhões de eleitores, possui sessenta deputados.
Essa desproporcionalidade que afeta a legitimidade da representação popular na Câmara Federal, até mesmo para o exercício das funções normais legislativas, mais se acentuará com relação à competência para formação do governo, se adotado o regime parlamentarista.
E difícil conceber que o Congresso, com aquela maioria hegemônica, corrija a composição da Câmara, a fim de que seja restabelecida a justa proporcionalidade.
Atualmente, com o crescimento da propaganda parlamentarista, nenhum de seus defensores tem-se detido sobre esse problema, que, no entanto, é primordial no parlamentarismo e que, na verdade, resume-se na legitimidade da composição parlamentar, com reflexo na escolha do governo, na medida em que o gabinete será marcado por uma composição parlamentar viciada.
Um segundo problema, que parece razoável esclarecer desde já, é se o parlamentarismo é tão bom, a ponto de ter tão ilustres defensores, por que não o adotar nos estados e municípios? A chamada organização piramidal, ou verticalização do regime parlamentarista, é outra questão essencial que não tem sido levantada nas discussões do sistema, consciente em estendê-lo às áreas estaduais e municipais, até porque seria uma anomalia que nessas esferas continuássemos com um modelo presidencialista convivendo com um sistema parlamentarista a nível nacional.
Uma terceira questão a enfrentar é se a representação partidária deverá continuar com dezenas de partidos. O País vive, hoje, um regime de multipartidarismo. A maioria, no parlamentarismo, não sendo sólida e claramente definida, leva a queda constante de gabinetes, ou, então, à formação de maiorias fisiológicas, pois é sabido que nas últimas eleições, no Brasil, tivemos vinte, trinta, ou ate quarenta partidos políticos. A prevalecer essa situação, com pulverização do, voto popular, teremos parlamentos com maiorias precaríssimas, sujeitos a todo tipo de crise.
Eis a razão pela qual, nos países onde o parlamentarismo é mais eficaz, a legislação eleitoral estabelece votação mínima por partido, em geral entre 4 e 8% da votação nacional. Ao se estabelecerem critérios como este, que são verdadeiros pré-requisitos para a viabilidade do sistema parlamentar, estariam sendo suprimidos muitos dos atuais partidos políticos.
Um quarto problema a ser enfrentado é se o Senado continuará existindo.
Questiona-se, em muitos países, até mesmo presidencialistas, a existência da Segunda Câmara, o Senado. É preocupante o fato de que o Gabinete possa ter maioria na Câmara e minoria no Senado. A Câmara forma o governo e o Senado dificulta a aprovação dos projetos de lei necessários à implementação dos planos desse mesmo governo.
Por último caberia indagar se os regimes presidencialistas teriam produzido maiores e piores ditadores do que os parlamentaristas.
A História demonstra que não. A verdade é que alguns dos mais execrandos ditadores deste século foram fruto de governos parlamentaristas: Hitler e Mussolini, por exemplo, ascenderam à chefia do governo em decorrência de maioria no Parlamento.
Nem mesmo Salazar deixou de ser produto de eventual maioria parlamentarista, revelando assim que esse regime também não evita o caminho para a ditadura, sob pretexto de solução para os grandes problemas nacionais.
Os adeptos do parlamentarismo afirmam que o sistema presidencialista tem graves problemas. A História também tem demonstrado que, em países do Terceiro Mundo, ou em via de desenvolvimento, as crises políticas muito graves acabam refletindo diretamente sobre o presidente, que acumula as chefias de Estado e de governo, e implicam muitas vezes a interrupção do processo democrático, sendo comum o recurso a golpes de Estado, que não são privilégios do regime presidencialista.
Por tudo isso, pode-se verificar que a adoção do parlamentarismo, na forma simplista como vem sendo apresentada, não é a solução segura, eficiente e tranquila para a crise de governabilidade brasileira, uma vez que esse sistema, sem a correção dos vícios apontados, não resolverá os problemas institucionais do País.
*Antonio Roque Citadini é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
(Gazeta Mercantil, 19-07-1991, p. 5)