POUCA-VERGONHA
Insensível às críticas e à condenação cada vez mais clara da população – como se pode constatar pela torrente de votos de protesto. brancos e nulos, das últimas eleições -, a verdadeira “indústria ” em que se transformou a atividade política prepara mais um golpe. Insaciável, a classe política não se contenta com os milhares de órgãos e cargos públicos que já manipula.
Quer mais e prepara cuidadosamente a criação em São Paulo de outros 124 municípios.
A trama não é de agora. Começou no ano passado, com a promulgação de uma lei complementar (LC n° 651/90) à Constituição estadual, facilitando a criação de novos municípios.Antes, lei federal estabelecia que, para obter autonomia, o distrito precisava possuir renda igual ou superior a cinco milésimos da arrecadação estadual e uma população calculada, para o Estado de São Paulo, em dez mil habitantes. Agora, com uma lei feita com a exclusiva finalidade de criar mais “empregos” para os políticos e seus apaniguados, os requisitos foram “simplificados”: abaixo-assinado com um mínimo de 100 eleitores moradores do distrito, encaminhado à Assembléia Legislativa; realização de plebiscito; possuir centro urbano constituído; não interromper a continuidade territorial do município de origem e preservar a unidade histórico-cultural do ambiente urbano.
Com “requisitos” dessa ordem, não é de admirar que 124 distritos, boa parte deles com populações em torno de três mil habitantes, já tenham entrado com pedidos de emancipação junto à Assembléia. Destes, dez já conseguiram seu intento. Com o seu apetite aguçado pela eleição municipal do ano que vem, é fácil prever que a classe política favorecerá ao máximo a transformação daqueles 124 distritos, ou pelo menos a grande maioria deles, em novos municípios, devidamente acompanhados daquilo que lhe interessa – os cargos de prefeitos, secretários e vereadores, e as centenas de empregos, exigidos pelas novas administrações municipais, para distribuir a seus correligionários, amigos, parentes e apaniguados em geral.
É exclusivamente isso que interessa à “indústria da política” neste caso – mais cargos para ampliar as bases de seu poder e maiores possibilidades de novos “negócios” capazes de aumentar seu patrimônio. Porque, afora isso, nada explica ou justifica a criação de novos municípios, a não ser em casos excepcionais.
O assessor de Política Tributária da Secretaria da Fazenda, de São Paulo, Clóvis Panzarini, tem toda razão ao afirmar que o esforço, que deveria ser feito para enxugar a máquina administrativa estatal, está sendo orientado no sentido contrário. E ninguém melhor situado que ele para advertir que a quase totalidade desses distritos não tem a menor condição de se auto-sustentar e terá de ser socorrida pelo Estado e pela União.
A arrecadação do Estado de São Paulo se concentra nos dez municípios mais populosos, que fornecem 80% do total. Como se vê, do ponto de vista da capacidade de arrecadação, deveríamos estar suprimindo municípios, e conseqüentemente economizando com o enxugamento da máquina administrativa, e não criando novos. Está certo neste caso o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Roque Citadini, quando afirma que tanto Estados como municípios sem condições de se auto-sustentar simplesmente não deveriam existir, fundindo-se com unidades maiores e viáveis.
Mas, posições como essas, fundadas no interesse público, não sensibilizam a classe política, interessada apenas nos objetivos de sua “indústria”: mais cargos, mais empregos, mais oportunidades de “negócios”.
É uma pouca-vergonha!
(Jornal da Tarde, Editorial, 01/08/1991, p.4)
LEI COMPLEMENTAR N. 651 DE 31 DE JULHO DE 1990.
Dispõe sobre a criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios e criação, organização e supressão de Distritos
O GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei complementar:
TÍTULO I
Dos Municípios
Capítulo I
Da criação
Artigo 1.º – A criação de Município far-se-á por lei estadual, precedida de consulta plebiscitária.
§ 1.º – O processo de criação de Município terá início mediante representação assinada, no mínimo, por 100 (cem) eleitores domiciliados na área que se deseja emancipar, encaminhada
a um Deputado Estadual ou diretamente à Mesa de Assembléia Legislativa.
§ 2.º – A criação de Município e suas alterações territoriais só poderão ser feitas anualmente.
§ 3.º – A consulta plebiscitária, realizada na área a ser emancipada, só será considerada favorável se obtiver a maioria dos votos válidos, tendo votado a maioria absoluta dos eleitores.
§ 4.º – A solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral para proceder à realização do plebiscito será feita pelo Presidente da Assembléia, após sua aprovação pelo Plenário da Assembléia Legislativa.
Artigo 2.º – Previamente ao plebiscito mencionado no artigo anterior, são condições indispensáveis e cumulativas para a criação de Município:
I – ser Distrito há mais de 2 (dois) anos;
II – possuir em sua área territorial, no mínimo 1000 eleitores;
III – ter centro urbano constituído;
IV – apresentar solução de continuidade de três quilômetros, no mínimo, entre o seu perímetro urbano, definido pelo competente órgão técnico do Estado e do Município de origem, excetuando-se os Distritos integrantes de Regiões Metropolitanas ou aglomerados urbanos;
V – não interromper a continuidade territorial do Município de origem, bem como preservar a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, ouvido o competente órgão técnico do Estado.
§ 1.º – Não será permitida a criação de Município, desde que esta medida importe, para o Município ou Municípios de origem, na perda das condições exigidas neste artigo.
§ 2.º – A área da nova unidade municipal independe de ser Distrito quando pertencer a mais de um Município, ressalvada a Região Metropolitana de São Paulo, preservada a continuidade territorial.
Artigo 3.º – A lei de criação de Municípios mencionará:
I – o nome, que será o da sua sede;
II – as divisas;
III – a comarca a que pertence;
IV – o ano da instalação;
V – os Distritos, com as respectivas divisas.
§ 1.º – O nome do novo Município não poderá repetir outro já existente no País, bem como conter designação de datas e nomes de pessoas vivas.
§ 2.º – As divisas do novo Município serão definidas pelo órgão técnico competente do Estado, preferencialmente acompanhando acidentes naturais ou segundo linhas geodésicas entre pontos bem identificados.
§ 3.º – Para aproveitar os acidentes naturais, deslocar-se-á linha divisória até duzentos metros entre o Município desmembrado e o novo, desde que não acarrete a este prejuízo financeiro apreciável.
§ 4.º – Deslocando-se a linha divisória, nos termos, do parágrafo anterior, e havendo mais de cem moradores na faixa de terreno acrescida, será realizada consulta plebiscitária posterior à demarcação da linha, cujo resultado não terá influência no plebiscito anteriormente realizado no território já emancipado.
CAPÍTULO II
Da Instalação, Administração e Responsabilidade Financeira
Artigo 4.º – A instalação do Município dar-se-á por ocasião da posse do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores.
Artigo 5.º – Até sua instalação, o território do novo Município continuará a ser administrado pelo Prefeito do Município de origem.
Parágrafo único – No caso de Município criado com desmembramento territorial de dois ou mais Municípios, a sua administração caberá aos Prefeitos dos Municípios de origem , nas respectivas áreas desmembradas.
Artigo 6.º – Até que tenha legislação própria, vigorará no novo Município a legislação do Município de origem, vigente à data de sua instalação.
Parágrafo único – No caso de Município criado com desmembramento de dois ou mais Municípios aplicar-se-á a legislação vigente nos Municípios de origem, nas respectivas áreas desmembradas.
Artigo 7.º – Enquanto não for instalado o Município, a contabilidade de sua receita e despesa será feita em separado, pelos órgãos competentes do Município ou dos Municípios de origem.
Parágrafo único – Após a instalação do Município, no prazo de quinze dias o Município ou Municípios de origem deverão enviar àquele os livros de escrituração e a competente prestação de contas, devidamente documentadas.
Artigo 8.º – Instalado o Município deverá o Prefeito no prazo de quinze dias, remeter à Câmara a proposta orçamentária para o respectivo exercício e o projeto de lei do Quadro de Pessoal.
Artigo 9.º – Os bens públicos municipais, situados no território desmembrado, serão integrados à propriedade do novo Município na data de sua instalação.
Parágrafo único – Os bens referidos neste artigo constituindo parte integrante e inseparável de serviços industriais utilizados pelos Municípios envolvidos, serão administrados e explorados conjuntamente, como patrimônio comum. Servindo, apenas, ao Município de que se desmembrou, continuarão a pertencer-lhe.
Artigo 10 – O novo Município indenizará o Município ou Municípios de origem da quota-parte das dívidas vencíveis após sua criação, contraídas para execução de obras e serviços que tenham beneficiado os territórios envolvidos.
§ 1.º – A quota-parte será calculada pela média, obtida nos últimos três exercícios, da arrecadação tributária própria no território desmembrado, em confronto com a do Município ou dos Municípios de origem.
§ 2.º – O cálculo da indenização deverá ser concluído dentro de seis meses da instalação do Município, indicando cada Prefeito um perito.
Artigo 11 – Instalado o Município, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
CAPÍTULO III
Da Fusão, da Incorporação e do Desmembramento
Artigo 12 – A fusão ou a incorporação de Municípios, bem como o desmembramento de parte do território de Município para anexação a outro, far-se-ão por lei estadual, precedida de consulta plebiscitária às populações diretamente interessadas, observado, no que couber, o disposto nesta lei complementar.
TÍTULO II
Dos Distritos
CAPÍTULO I
Da criação, Organização e Supressão
Artigo 13 – A criação e supressão de Distrito e suas alterações territoriais far-se-ão anualmente
através de lei municipal, garantida a participação popular.
Artigo 14 – A delimitação da linha perimétrica do Distrito será determinada pelo competente órgão técnico do Estado o qual se aterá, no mínimo, à sua específica área de influência, atendendo às conveniências dos moradores da região e levando em conta, sempre que possível, os acidentes naturais.
Artigo 15 – Esta lei complementar e suas disposições transitórias entrarão em vigor na data de sua publicação.
Disposições Transitórias
Artigo 1.º – As áreas territoriais atualmente denominadas subdistritos ficam equiparadas a Distritos, para os fins desta lei complementar.
Artigo 2.º – Fica assegurada, para os fins disposto nesta lei complementar e pelo prazo de cinco anos, a delimitação do Distrito, existente à data da promulgação da Constituição Federal, a não ser que a alteração tenha ocorrido para aumento da área territorial.
Parágrafo único – Excetuam-se do disposto no ¨caput¨ os Distritos que possuam núcleo populacional sob regime de administração especial.
Artigo 3.º – As renovações, ainda não efetuadas, das representações com vistas à criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, poderão ser formalizadas no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da publicação desta lei complementar.
Palácio dos Bandeirantes, 31 de julho de 1990.
ORESTES QUÉRCIA
Cláudio Ferraz de Alvarenga,
Secretário do Governo
Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 31 de julho de 1990.
Diário Oficial do Estado, São Paulo, v.100, n. 144, 04/08/1990