ATA DA 24a. SESSÃO ORDINÁRIA DO TRIBUNAL PLENO, REALIZADA EM 19 DE JULHO DE 1989, NO AUDITÓRIO “PROF. JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELLO”
PRESIDENTE – Conselheiro Paulo de Tarso Santos.
PROCURADOR DA FAZENDA – Bel. Joel Murer Kühl.
SECRETÁRIO – Bel. Sérgio Ciquera Rossi.
Feita a chamada verificou-se o comparecimento dos CONSELHEIROS PAULO DE TARSO SANTOS, JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELLO, ORLANDO ZANCANER, ANTONIO ROQUE CITADINI, ANTONIO CARLOS MESQUITA, bem como o dos SUBSTITUTOS DE CONSELHEIRO LUIZ OLAVO DE MACEDO COSTA e HOMERO COUTINHO. Às quinze horas a PRESIDENTE declarou aberta a sessão.
Iniciando o expediente a PRESIDENTE consignou a visita MINISTROS GIUSEPPE CARBONE, Presidente da Corte de Contas da Itália e dos Srs. Ministros também membros daquele Tribunal, GIORGIO CLEMENTE e ENNIO COLASSANTI e convidou a todos os Presentes que permanecessem de pé para ouvirem os hinos nacionais italiano e brasileiro, executados pela Banda da Força Pública do Estada, após o que, retomando a palavra, assim se pronunciou:
Presidente Giuseppe Carbone, Srs. Ministros Giorgio Clemente e Ennio Coiassanti, este Tribunal tem a subida honra de recebê-los pela consciência que tem da importância de sua visita. É bom que se diga que V. Exas. nos visitam na sede deste Tribunal, que é a cidade de São Paulo, que á uma das maiores “cidades italianas do mundo. Ademais, queria acrescentar que nós todos temos consciência plena de que somos beneficiários da cultura jurídica românica, desde as origens mais remotas do Direito Romano até as mais recentes influências de Chiovenda, por exemplo, onde o Prof. Túlio Liebman, do qual alguns de nós fomos alunos, e que teve a oportunidade de fundar no Brasil uma escola de processualística, de acordo com os ensinamentos de Chiovenda, reunindo homens da expressão de José Frederico Marques, Luiz Eulálio Vidigal e do Ministro Alfredo Buzaid. Basta isto para que se saiba o quanto este Tribunal, teve a influência jurídica do país que V. Exas. tão bem representam.
Em seqüência falaram em Plenário:
O CONSELHEIRO ANTONIO ROQUE CITADINI – Exmo. Sr. Presidente, Dr. Paulo de Tarso Santos, Exmo. Sr. Presidente da Corte de Contas da Itália, Dr. Giuseppe Carbone, Exmos. Srs.. Conselheiros Giorgio Clemente e Ennio Colassanti, é com redobrada satisfação que, em nome do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, saúdo o Presidente da Corte de Contas da Itália, Ministro Giuseppe Carbone.
V. Exa., além do alto cargo que ostenta na momento tem se destacado na vida da nação italiana, exercendo altas funções, das quais nos cabe relembrar a sua participação como organizador cultural junto à importante Fundação Gramsci e à Enciclopédia Italiana.
Na vida pública, é de se destacar a de funcionário parlamentar como Secretário da Comissão de Balanço e Programação Econômica, Diretor de Ofício de Controle Parlamentar e de Serviço da Comissão no período de 1956 e1970. De 1970 a 1986 foi, no Conselho de Estado, Conselheiro e Presidente de Secção, tendo exercido, ainda, a Chefia de Gabinete e Chefia do Ofício Legislativo do Ministério do Balanço e de Programação Econômica.
De 1978 a 1986, fase difícil da Itália, superada, dentre outros motivos, pela presença forte e exemplar do Presidente Sandro Pertini, o nosso ilustre visitante foi Conselheiro dos Negócios Jurídicos e Constitucionais do Presidente da República, tendo sido nomeado em 1986 Presidente da Corte de Contas.
Por todas essas razões é que faço esta saudação em posição dupla: de Conselheiro do Tribunal de Contas do nosso Estado e de neto de imigrante italiana.
Exmo. Ministro Giuseppe Carbone: o Brasil, a meu ver, é um país onde a presença italiana é a mais forte do mundo. Nos últimos séculos e décadas os italianos deslocaram-se para muitos lugares; no entanto, acredito que em nenhum lugar sua presença tenha sido tão rigorosamente marcante coma em nossa pátria, abrangendo todas as áreas de nossa vida brasileira no direito, nas artes, no sindicalismo, na indústria, etc, etc.
Destaco, especialmente, a influência que seu país tem em todos os ramos do Direito: Trabalhista, Penal, Administrativo, Comercial, Processual Civil e Eleitoral. Seguramente, poucos contribuíram tanto para o Brasil como a Itália.
É forçoso salientar, Sr. Ministro, que de início essa influência teve um forte componente sangüíneo. Milhões dos que aqui habitam são originários de heróicos aventureiros que, atravessando o Atlântico, aqui chegaram para ajudar a construir este País.
Na construção econômica e cultural existe, sem dúvida, uma extraordinária participação dos italianos, seus filhos e netos que para aqui vieram. A presença dos “oriundi” é marcante e isso é de fácil constatação.
Nesta nossa Corte, dos 7 Conselheiros, 2 descendem da Itália.
Sr. Ministro e Srs. Conselheiros do Tribunal de Contas da Itália, o Brasil vive hoje uma situação singular. Pela Primeira vez na história deste século tenta consolidar um regime democrático tão arduamente conquistada pela povo e convive com uma das fases mais difíceis da sua vida. Ao lado de angustiantes problemas da inflação, descontrole dos gastos públicos, inúmeros bolsões da pobreza, deficientes condições de saúde e educação, vive uma majestosa experiência democrática, procurando reconstruir instituições demolidas, alargar a participação da sociedade na gestão Pública e, ao mesmo tempo, vencer os graves problemas sociais.
V. Exa. visita o Brasil no momento em que um novo estatuto constitucional está sendo implantado neste país, que, a par de melhor estruturar o Estado, introduziu rígidos controles dos atos administrativos, de forma a dar-lhes a necessária legalidade e transparência na execução dos negócios afetos ao Poder Público.
Nessa tarefa fiscalizatória, o texto constitucional dá aos Tribunais de Contas competências antes não existentes, possibilitando-lhes o acompanhamento da ação administrativa, de forma a serem observados os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade permitindo-lhes, inclusive sustar qualquer despesa quando verificada a ocorrência de ilegalidade.
Foi mais além: introduziu a faculdade de examinar o mérito do ato administrativa, a fim de verificar da sua legitimidade e para que o Poder discricionário atue de forma menos abrangente, submetendo-o a controles que objetivem resguardar a coisa pública contra a ação de administradores que, embora bem intencionados não agem da mesma forma como atuariam na gestão de sua propriedade privada.
É Preciso que neste final dos anos 80, tão decisivo para nós, tenhamos a mesma energia e discernimento que tiveram os italianos na reconstrução do após guerra. Caminhamos juntos na elaboração de uma constituição democrática e progressista, que foi largamente influenciada pela Constituição Italiana de 1948. Agora é necessária que tenhamos a capacidade que tiveram os italianos, sem esquecer os conflitos e divergências próprios do regime democrático, do evoluir para um quadro de estabilidade política e econômica fundada na liberdade e no trabalho.
Vivemos, é certo, num continente diverso, onde a tradição democrática é frágil e a presença de ditaduras uma constante. É preciso, no entanto, que tenhamos a mesma fé inabalável que tiveram os imigrantes italianos para que vençamos as tormentas, superemos os problemas e nos encontremos num país de justiça e progresso.
O Brasil, que está integrado na comunidade internacional, para consolidar a democracia que voltou a instalar-se no país necessita da colaboração cultural de todos os povos do universo, notadamente, como o italiano, com o qual guarda profundas afinidades, dada a sua presença marcante no seu desenvolvimento econômico e intelectual.
Este Tribunal, portanto, vê em V. Exa. o representante de uma nação amiga que poderão trazer, com a sua cultura e experiência, extraordinária contribuição para o aprimoramento de nossas instituições, especialmente aquelas que dizem mais de perto à instituição que pertencemos – a Corte de Contas.
Seja, pois, benvindo ao Brasil e a este Tribunal de Contas.
O MINISTRO GIUSEPPE CARBONE – (em tradução) – Excelência Paulo de Tarso Santos, Srs. Conselheiros, todos os amigas que encontro aqui na sede do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Pemitam-me exprimir a emoção com a qual os amigos e Conselheiros Clemente e Colassanti e eu participamos deste encontro, quando contamos com a simpatia e afeto da parte de V. Exas. e por sentir-nos num país que resulta da comunhão da cultura, de sangue e de sentimentos das comunidades do Brasil e da Itália.
Sentimo-nos regozijados com uma matriz comum, que não é só aquela do Direito Romano mas também aquela que é uma componente grande e importante do seu povo, que partiu das nossas regiões setentrional e meridionaI e plantou aqui sua própria casa, fez da bandeira do seu país a sua própria. Junto a vocês construiu um grande país, um país que, com um crescimento vertiginoso, conhece a dificuldade e a crise de quem cresce e que não perderá, nunca, também, a coragem e a energia para enfrentar as dificuldades dessa crise.
Os brasileiros encontram-se num momento de passagem e desenvolvimento não somente de sua economia, mas, também, talvez, sobretudo de sua sociedade e de sua instituição. Vocês iniciaram a estrada da democracia, do regime liberal democrático. Só num regime de democracia um país cresce. É o regime mais difícil, mas é o único que permite a um povo ou a uma comunidade, crescer. Todos os outros regimes aparentemente, permitem um passo avante, mas depois de alguns poucos passos, encontram o precipício. Nós experimentamos isso na Itália, com o fascismo. Mas, se olharmos em torno de toda a superfície deste nosso globo, não veremos nenhum outro povo que, verdadeiramente haja crescido sem a democracia. Digo isso porque nosso controle da Corte de Contas e seu controle do Tribunal de Contas são um instrumento essencial e indispensável para a democracia. Por que? Porque, justamente como disse agora o Conselheiro Roque Citadini, a democracia é transparência. É a força e também o risco e a dificuldade da democracia porque todos os povos soberanos devem ver, não somente os fatos como conhecer a dificuldade, a miséria e os problemas a enfrentar. Só desse modo pode-se reunir a disponibilidade de forças para superar as dificuldades para enfrentar esses problemas.
A transparência da democracia é a ajuda essencial no rol de controle da carta de contas.
O trabalho, que fazemos todos nós, não é fácil porque deve levar à luz a verdade de tudo que ocorre na Administração e é um trabalho que encontra muita antipatia e resistência. A força do controle é a de falar também à Assembléia Legislativa, ao Parlamento e, à opinião pública. O controle encontra a força de poder falar claro, de não parar frente às intimidações e frente aos desvios das que não querem deixar fazer saber os fatos próprios menos afortunados, menos felizes, da Administração. Sabemos exercitar os misteres incômodos e difíceis para nós. Podemos exercitá-los se soubermos ser os mesmos instrumentos indispensáveis à democracia, sem a presunção neste modo, de ser o sustentáculo da democracia, bem sabendo que o sustentáculo da democracia é a soberania popular, aliada aos órgãos representativos, o parlamento, investido no Parlamento o Governo. Nós devemos saber todos que estamos a serviço, não somente do Parlamento do Governo, mas, das instituições de soberania popular, do regime liberal democrático, que constituem as melhores realizações de todos, que são difíceis de conquistar dia-a-dia, de se defender dia-a-dia do desvio e das tentações, de fazer primeiro o melhor onde há risco, em vez de fazer o pior.
Muitas felicidades a V. Exas. na desempenho do mister que nos é comum.
O PRESIDENTE – Sr. Presidente, V. Exa. percebeu que seu discurso não precisou ser traduzido e isto está sublinhando as origens latinas comuns a essas duas línguas.
O italiano, tão musical e clara de V. Exa., foi uma homenagem à língua mãe nossa, o português, e mais uma vez realçou os laços culturais que nos unem.
Para marcar a presença de V. Exas. nesta casa e para sublinhar mais uma vez a honra de sua visita, vou ter o prazer de lhes entregar uma lembrança simbólica.
No próximo mês de setembro, em São Paulo, este Tribunal vai de sediar o XV Congresso das Tribunais de Contas do Brasil.
Aqui estarão reunidos conselheiros de todos os Estados da Federação. Será uma oportunidade para uma reflexão sobre os temas tão importantes que V. Exa. e o conselheiro Antonio Roque Citadini realçaram em seus discursos, nesta sessão.
Peço a V. Exas. que levem as primeiras pastas do Congresso de Setembro como uma lembrança dos seus colegas conselheiros, e dos funcionários do Tribunal de Contas de São Paulo.
Registro as presenças, entre nós, honrosas, do Sr. Presidente do Tribunal de Contas do Amazonas e do nosso grande amigo. Com Paulo Planet Buarque, Presidente do Tribunal de Contas do Município, que nos deu a suprema alegria de aqui trazer os visitantes do Tribunal de Contas da Itália.
O MINISTRO GIUSEPPE CARBONE – Excelência Paulo de Tarso, nós também queremos que V. Exas, possam recordar este nosso encontro breve mas emocionante, e deixamos um tributo á memória, oferecendo-lhes como recordação, uma medalha que foi cunhada quando a Corte de Contas completou 100 anos.
A esta altura o PRESIDENTE suspendeu a sessão por 5 minutos a fim de acompanhar os ilustres visitantes, que se retiraram do Plenário.
NOTA: Os trabalhos em seguida foram reabertos e trataram sobre matéria administrativa, minutas acerca de resoluções e instruções da Casa.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, SEÇÃO I, DE 03 DE AGOSTO DE 1989, P.44.