PALESTRA PROFERIDA POR ANTONIO ROQUE CITADINI DURANTE O ENCONTRO COM PREFEITOS, PRESIDENTES DE CÂMARAS MUNICIPAIS E VEREADORES
Sorocaba, dia 04 de Setembro de 1998.
“Em tempos de bonança econômica num simpósio de prefeitos, vereadores, secretários, funcionários do mais alto escalão das Prefeituras, a presença do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo poderia representar um bom momento para se ressaltar a imperiosa necessidade de observância às Instruções emanadas da Corte Estadual de Contas, ou para se lembrar dos princípios licitatórios básicos que devem estar presente dos processos das compras públicas. Com isto, estaríamos reforçando a necessidade de serem atendidas as normas administrativas e legais, que se impõem para o melhor cumprimento do exercício da gestão da coisa pública.
Mas os mares tempestuosos e sombrios da economia mundial que atravessamos, com reflexos diretos nos orçamentos dos municípios brasileiros, nos obrigam a propor uma reflexão aos senhores prefeitos a respeito de outro tema, o do déficit das contas públicas municipais, assunto que transcende os aspectos formais do arcabouço jurídico institucional da administração pública. Ao trazer à discussão princípios essenciais ligados a esse fenômeno, esperamos poder contribuir para a conscientização da sua importância, absolutamente crítica nos dias atuais, na medida em que vem provocando um terrível enfraquecimento do aparelho administrativo municipal, sem embargo das mazelas que produz nas demais esferas governamentais.
Em termos gerais, déficit público é a situação em que os governos gastam mais do que arrecadam, num determinado período de tempo ou exercício. Numa clássica seqüência, de acordo com os economistas, os déficits municipais tendem a ser compensados por auxílios estaduais, que mais tarde serão cobertos por ajuda federal. Finalmente, o processo acaba desembocando nas rotativas da Casa da Moeda, gerando inflação e o conseqüente desarranjo do sistema produtivo.
No Estado de São Paulo, a receita de impostos alcança, em média, três quartos da renda total dos municípios, já se considerando as transferências constitucionais (FPM, ICMS, IPVA, etc.), impostos arrecadados pela União e pelos Estados e repassados aos municípios. Nas localidades menores, de incipiente base econômica, o FPM (22,5% do IR mais IPI) tem maior significado; nas unidades mais desenvolvidas, o ICMS responde com mais intensidade. Isto se dá porque o princípio redistributivo norteia o rateio do FPM (recursos tributários para quem mais necessita), e o princípio compensatório, o do ICMS (recursos tributários para quem os gera).
Ultimamente, temos observado que vem se acentuando a dependência dos municípios aos Estados e à União, pois está cada vez mais difícil de se ampliar a capacidade de arrecadação.
As diminuições da receita municipal relacionam-se com diversos fatores, entre eles:
– desaquecimento da economia nacional, o que encolhe os repasses de FPM e ICMS;
– evasão de unidades produtivas do município, com a conseqüente perda do ICMS;
– renovação, em julho/97, do FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), que retém pane das transferências federais;
– efeitos da Lei Kandir, que retirou o ICMS (do qual 25% vão para os Municípios) de certas exportações;
– extinção do lVV (Imposto sobre Vendas a Varejo) de combustíveis; e
– funcionamento, em 01.01.98, do Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental, penalizando, financeiramente, prefeituras com baixo atendimento de alunos do 1° grau.
Já as elevações da despesa referem-se a várias circunstâncias, entre elas:
– dívidas de curto prazo herdadas da Administração anterior;
– assunção de novos serviços públicos na área social (saúde, assistência e educação, principalmente);
. desaparecimento da sobra inflacionária;
– desemprego, o que eleva a demanda por serviços públicos; e
. custeio da aposentadoria de servidores que pouco contribuíram para o sistema municipal de previdência (celetistas transformados em estatutários).
As questões acima colocadas quase que independem totalmente da vontade política dos administradores e, por isso, são chamadas causas primárias do déficit público.
Entretanto, existem outras causas, denominadas secundárias, que traduzem a má gestão dos dinheiros públicos e se apresentam sob a forma de orçamentos municipais irrealistas, superestimados ou com créditos adicionais sem fonte financeira de cobertura.
O bom agente político, o administrador competente, ao contrário, muito pode fazer em favor do equilíbrio das contas públicas, compensando, com vantagem, situações macroeconômicas desfavoráveis.
Nesse sentido, algumas providências que poderiam ser tomadas no sentido da aplicação da receita municipal são:
– IPTU – atualização do cadastro imobiliário e da planta genérica de valores, assim como a revisão de isenções;
– ISS: utilização do regime de estimativa, fiscalização mais efetiva, adoção de alíquotas diferenciadas para os vários tipos de serviço, atualização do cadastro imobiliário;
– Taxas: revisão de valores, de modo a cobrir o real custo dos serviços municipais;
– Contribuição de Melhoria: instituição deste especialmente para as faixas mais abastadas tributo
– Dívida Ativa: intensificação da cobrança amigável (através da anexação dos débitos nas cartelas dos impostos lançados parcelamentos, descontos, chamadas para negociação, etc.).
Por outro lado, outras medidas deveriam ser executadas tendo em conta a redução da despesa orçamentária.
Como:
– realização de meticuloso planejamento de caixa, de modo a evitar despesas adiáveis e os custosos empréstimos de Antecipação da Receita Orçamentária (ARO);
– renegociação de contratos em andamento, de sorte a reduzir preços e quantidades;
– efetivação de rigorosas pesquisas prévias de preços como forma de baratear licitações e compras diretas e poupar o Município dos riscos de eventual cartelização de fornecedores e empreiteiros;
– remanejamento de pessoal, freando novas admissões;
– revisão dos salários elevados, que podem estar acumulando vantagens indevidas;
– fixação de padrões de consumo de materiais, o que evita desperdício.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem procurado qualificar o déficit público antes de emitir seus pareceres no exame das contas públicas municipais, pois, se há gastos que maculam irremediavelmente a gestão fazendária do administrador público, certas despesas apresentam resultados econômicos positivos, provocando a queda do passivo (quitação de dívidas, por exemplo) ou aumento do ativo (construção de escolas e unidades de saúde), sem falar na correta aplicação dos 25% na Educação e do respeito ao teto de 60% das receitas correntes com gastos de pessoal.
No contexto econômico atual, o fator mais perverso e desestabilizador das contas públicas é a política de juros praticada pelo governo. Na tentativa de corrigir o déficit, muitos administradores públicos procuram o remédio nas operações de antecipação de receitas, as chamadas ARO’S, ou mesmo através de empréstimos bancários emergenciais. Essas operações financeiras, efetuadas sob juros elevadíssimos, inviabilizam a amortização , pois não há fonte de recursos que seja capaz de gerar aumentos reais de arrecadação suficientes para o seu pagamento.
Cabe lembrar que um dos graves fatores geradores do déficit, que também está relacionado com a elevada taxa de juros, é o pagamento de precatórios, corrigidos por índices que, obedecendo a critérios da política econômica, tornaram-se elevados.
Fazendo o débito ficar muito distante de seus valores originais e longe da possibilidade de serem liquidados, a partir dos recursos destinados a esse fim na peça orçamentária.
A procura pelo ajuste das contas municipais, portanto, e não o endividamento financeiro, é o desafio e a saída técnica e política do administrador municipal responsável. Esse desafio ainda é maior quando se sabe que a recessão e o desemprego estão desacelerando a economia e, como consequência, aumentado a demanda por serviços básicos, como o da saúde, por exemplo,. Nessa luta, devem os municípios atentar para dois aspectos fundamentais, na atual tendência de se transferir parte dos encargos governamentais para a iniciativa privada.
O primeiro deles é a questão da concessão dos serviços públicos. Temos assistido a algumas experiências mal sucedidas em que as condições de transferência dos serviços públicos a particulares, por questões políticas, acabam sofrendo alterações em relação ao que foi originalmente contratado, como redução de tarifas e diminuição dos compromissos dos programas de expansão originais dos serviços. A administração municipal deve elaborar os contratos de concessão de forma a garantir o atendimento das demandas dos serviços com qualidade e preços vantajosos e cuidar para que esses contratos não sejam rasgados no curto prazo em função de pressões políticas. Com isso estará se defendendo de futuros e insolúveis déficits.
Outro aspecto diz respeito às parcerias realizadas com a iniciativa privada no campo da cultura, lazer, educação e saúde. Essas simbioses não nascem espontaneamente e requerem uma dose significativa de proatividade, na busca e no convencimento dos empresários, não só da necessidade de compartilhar de projetos em que o Poder Público já teve exauridos seus recursos, como na concretização institucional do chamado terceiro setor, em que uma nova força social de suporte e desenvolvimento aos menos favorecidos resultará, no curto prazo, em benefícios individuais e coletivos, e na redução da demanda de serviços prestados exclusivamente pelo setor público, reduzindo-se, assim, por esse caminho, o déficit das contas públicas.
Em síntese, a adoção desses procedimentos tem-se mostrado perfeitamente possível, permitindo às administrações que os acolhem, alcançar bons resultados, em benefício da sociedade.”
* ANTONIO ROQUE CITADINI É CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO