Palestra proferida em 6 de setembro de 1999, em Caracas, Venezuela, por ocasião do lançamento de seu livro “El Control Externo de La Administración Pública”, ocorrido no FORO “DEMOCRACIA Y CONTROL EXTERNO DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA”, promovido pela de Contraloria General de la República de Venezuela e Fundacíon Centro de Estudos Superiores de Auditoria de Estado Gumersindo Torres.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR Doutor Germán Carrera Damas, PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE AUDITORIA DE ESTADO GUMERSINDO TORRES – FUNDACEA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR Doutor Eduardo Roche Lander, CONTROLADOR GERAL DA REPUBLICA DA VENEZUELA
EXCELENTÍSSIMO Doutor José Peña Solis, Diretor Geral de Serviços Jurídicos da Controladoria Geral da Venezuela
EXCELENTISSIMO Doutor Henrique Meier, Professor da Universidade Metropolitana
EXCELENTÍSSIMO Doutor Joaquin Marta Sosa, Professor da Universidade Simon Bolivar
EXCELENTÍSSIMAS AUTORIDADES PRESENTES
MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES
É para mim um enorme prazer estar participando deste Foro, como convidado, para presenciar o lançamento de meu Livro ‘O Controle Externo da Administração Pública’ que agora ganha sua versão em Espanhol, por gentil iniciativa da direção da Controladoria Geral da Venezuela.
Apresento minhas escusas por não dominar a língua espanhola e por esta razão peço licença para falar em meu idioma, contando com a eficiente tradução para a perfeita compreensão, pelos senhores, da idéia que pretendo transmitir.
Sinto-me muito gratificado, pois, quando escrevo penso em oferecer minha contribuição, como dever de cidadão investido de função pública, objetivando ajudar nas discussões de assuntos que considero importantes especialmente para meu País, na área de minha atuação, qual seja a do controle externo.
Ver agora um dos meus Livros traduzido na língua Espanhola, por iniciativa desta Instituição de Controle Externo – congênere à que pertenço em meu País – é um fato para mim extremamente honroso, pois, não tive inicialmente este pensamento e, assim, tendo sido surpreendido, causa-me maior satisfação.
Como tenho a oportunidade de afirmar em meu livro, a existência de um órgão de controle dos atos de índole financeira da Administração Pública é uma das características do Estado Democrático Contemporâneo. Embora apresentando diferenças de forma, de composição e, até de competências, a existência de um órgão de controle tem sido a marca presente nos Estados atuais.
Entende-se como Estado Democrático Contemporâneo a organização do país com poderes limitados, com dirigentes eleitos periodicamente, em eleições livres, por sufrágio universal e voto direto e secreto e que garanta as liberdades fundamentais da pessoa humana, tornando-se imprescindível que os atos de índole financeira da Administração sejam controlados por um órgão externo à própria Administração e dotado de autonomia e de garantias, para o desempenho de suas funções
No final dos anos 90, quando houve a derrocada do Estado centralizado, os países do Leste Europeu, ao reestruturarem o aparelho do Estado reorganizaram suas instituições de controle externo, alguns sob a forma de Controladoria, outros sob a forma de Tribunais.
Ficou assim demonstrada a inegável necessidade de implantação, no Estado Democrático, de instituições de controle dos atos da administração, cabendo destacar, por oportuno – já que aponta para o futuro -, o exemplo da Comunidade Econômica Européia – que deve ser seguido por outras organizações assemelhadas, como o Mercosul – criando um Tribunal de Contas.
Não existe, nos dias atuais, país democrático sem um órgão de controle com a missão de fiscalizar a boa gestão do dinheiro público. Excetuam-se apenas os regimes ditatoriais – nos quais o que os dirigentes menos querem e menos aceitam é o controle de seus atos -, e os Estados de forte atraso na organização política e econômica. Afora estas duas situações, todos os demais possuem instituições de controle.
Os órgãos de controle das contas públicas, quer apareçam como órgão colegiado (Tribunais de Contas), quer de forma unipessoal (Controladorias), detêm, nos dias atuais, a importante e indispensável tarefa de fiscalizar as receitas e despesas dos Estados. Os Tribunais e Controladorias são hoje presenças relevantes nos Estados modernos, sendo tanto maior seu destaque quanto maior for o avanço de suas instituições democráticas.
A título de informação, muitos outros países, além do Brasil, adotam o Sistema de Tribunais de Contas, podendo-se citar, dentre outros, os seguintes: Argélia, Alemanha, Áustria, Bélgica, República da China, Comunidade Econômica Européia, Coréia do Sul, Espanha, França, Grécia, Itália, Portugal e Uruguai.
Procuro demonstrar em meu Livro – agora honrosamente na versão espanhola – a reflexão que as mudanças ocorridas nos diversos países apresentam para as funções do órgão de controle externo. Tais funções no Brasil vêm sendo ampliadas, até como fruto da Reforma do Estado, cabendo ressaltar que a partir de 1988, ano em que foi promulgada a atual Constituição, os Tribunais de Contas receberam inúmeras atribuições constitucionais e delas vêm se desincumbindo a contento, sempre, num apoio técnico ao Legislativo que é o poder político julgador das contas dos gestores públicos, fazendo-o, via de regra, com base no parecer – repito, técnico – que lhe envia o Tribunal de Contas, embora a ele não esteja vinculado.
À toda evidência, a idéia da globalização da economia, com blocos de países se agrupando como parceiros em negócios, indicará claramente a importância que virá a ser dada ao controle externo, implicando, assim, na futura criação de um órgão no âmbito daquelas organizações.
Interessa fazer referência à posição de autonomia do órgão de controle externo na Administração; a investidura de seus membros; a autonomia administrativa e funcional e à exclusividade de sua competência.
A existência de um órgão autônomo e independente encarregado de realizar o controle e fiscalização dos atos da Administração é questão que, atualmente, marca a organização democrática de um Estado. Esta independência e autonomia, além de situarem o órgão na estrutura político-administrativa do país, também sinalizam o grau de desenvolvimento político em que se encontra a Sociedade perante o conjunto das nações democráticas do mundo. (1)
Pode-se verificar que, na atualidade, a independência de competências é a regra nos órgãos de controle em qualquer dos dois sistemas, Tribunais ou Controladorias. Em todos os países o exercício da função de fiscalização encontra-se estabelecido em leis, sendo em boa parte, na própria Constituição, que dispõe de forma precisa sobre a competência dos órgãos de fiscalização, desvinculando-os de qualquer Poder ou órgão na tarefa de controle, limitado apenas pelo ordenamento jurídico.
A preocupação de que os órgãos de controle se tornassem verdadeiramente independentes de qualquer outro órgão de Estado ou Poder esteve sempre presente entre os teóricos que defendem o estabelecimento de uma organização de Estado marcada por pesos e contrapesos, de forma a garantir um sistema equilibrado de Poderes, próprio, aliás, do Estado democrático. A INTOSAI (Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle das Finanças Públicas) entidade internacional reconhecida pela ONU, em seus congressos e declarações vem firmando posição a favor desta independência dos órgãos de fiscalização como condição para um eficiente controle das finanças públicas.(2)
A autonomia administrativa constitui-se em pré-requisito para o funcionamento adequado dos órgãos de controle e, sem este componente, os Tribunais e Controladorias tornam-se meros departamentos submetidos ao interesse do Governo e, portanto, incapazes de fiscalizá-lo. (3)
Quanto à investidura dos membros do órgão de controle, trata-se de uma das mais relevantes questões, reiteradamente discutidas nas instituições de controle externo da Administração e diz respeito à nomeação de seus membros encarregados de executar os atos de controle. Como já afirmei, a independência do Tribunal ou Controladoria é fator essencial para o êxito de uma boa e eficiente ação de fiscalização. Inexistindo esta liberdade para fiscalizar, estará de todo comprometido o trabalho de controle, tornando-se um órgão meramente homologador das decisões do Governo, o que não assegurará uma correta aplicação dos recursos públicos, desservindo à Sociedade como um todo. Daí porque a forma de indicação de seus membros, bem como a situação em que estes executam a tarefa de controle acabarão balizando a própria localização da instituição como órgão independente ou meramente submetido aos interesses do Governo.
Embora existindo várias formas de indicação dos membros dos Tribunais e Controladorias, em geral, tais indicações seguem as mesmas regras adotadas nas indicações de juizes dos Tribunais Superiores dos respectivos países.
Esta indicação, como no caso da Magistratura, cabe ao Chefe do Executivo (no sistema presidencialista) ou ao Chefe do Governo ou ao Chefe de Estado (no sistema parlamentarista). Em alguns países, como: Estados Unidos, a indicação do controlador geral é feita pelo Congresso através de uma lista elaborada por uma comissão dos dois principais partidos e submetida ao Presidente da República para nomeação. Na Itállia, a nomeação do Presidente da Corte dei Conti é feita pelo Presidente da República, assim como no caso dos demais membros do Tribunal Superior, enquanto os juízes de contas são concursados. Na Alemanha, o presidente e o vice-presidente do Tribunal são nomeados por indicação do Governo e submetidos ao Parlamento. Em Portugal o presidente do Tribunal é indicado pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República. No caso da Espanha, o presidente é nomeado por mandato por proposta do próprio Tribunal ao Rei. Na Inglaterra o Controlador é nomeado pelo monarca por proposta do Parlamento. Cabe mencionar, também, os casos em que o Parlamento indica o nome (ou vários nomes) e o Executivo escolhe o nomeado. Isto ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra.
A regra predominante é a nomeação e indicação pelo Executivo e Legislativo, registrando-se o recrutamento por concurso nos casos em que existem instâncias inferiores de julgamento de contas.(4)
No que se refere à garantia predomina o sistema que estende ao membros do controle a garantia da Magistratura. A maioria dos países adota as garantias e impedimentos do Judiciário, sendo exemplos a Itália, França, Portugal, Espanha e Brasil. Nestes países, a regra é a vitaliciedade dos membros do órgão de controle e, em geral, eles só podem ser destituídos da mesma forma que outros membros do Poder Judiciário. Prevalecem, também, os impedimentos que recaem sobre os membros da Magistratura. No Brasil, por exemplo, os Ministros do Tribunal de Contas da União, bem como os Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais são equiparados aos membros da Magistratura no que concerne às garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens. Ficam, assim, proibidos de exercer qualquer atividade político-partidária, bem como atividade empresarial, vedadas pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Esta situação repete-se em vários países citados, como Portugal, Itália e França.
Cabe ressaltar que a equiparação à Magistratura nas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens é mais comum no sistema de Tribunais de Contas, até pela própria origem destes órgãos de controle; no entanto, mesmo nos países de Controladoria, que não adotam tal equiparação, podemos verificar que os membros dos órgãos de controle gozam de situação funcional com prerrogativas que não permitem a retaliação dos agentes do Governo, diante das decisões do órgão. A não adoção deste sistema decorre mais da própria tradição destes países (já que alguns não criaram prerrogativas para a própria Magistratura) do que do propósito de deixar o órgão de controle desprotegido contra represálias.
É de muita importância a autonomia, a independência e a liberdade para os órgãos conduzirem sua vida funcional e seu programa de auditoria, contando com as garantias necessárias à proteção do julgamento.
Mostra-se também importante – ainda que rapidamente – falar algo sobre a Convivência dos Tribunais ou Controladorias com os demais Poderes/Órgãos do Estado.
Os órgãos de controle externo da Administração (Tribunal ou Controladoria), embora apresentem várias diferenças entre si, exercem, basicamente, um conjunto de competências sobre os atos da Administração que tenham gerado despesas ou receitas. Este controle é sobre o ato do administrador, não se confundindo a respectiva atividade com o controle político exercido pelo Parlamento e realizado a partir de auditorias, inspeções ou verificações.
Em um número limitado de países, existe algum órgão que tem atividades assemelhadas à dos Tribunais ou Controladorias, como é exemplo o sistema de Ombudsman, que atende reclamação do cidadão contra atos lesivos ao Estado, função esta que em alguns países, é delegada ao órgão de controle externo. Em outros países, aparecem também as Ouvidorias ou Defensorias Públicas, na mesma linha dos Ombudsmans, Defensores ou Ouvidores e até exercendo algumas competências de forma concorrente com os Tribunais ou Controladorias. Nos últimos anos, os órgãos de controle externo têm recebido significativo número de competências inovadoras, muitas vezes impróprias para este tipo de instituição. O controle das declarações de rendas e bens dos funcionários públicos, fiscalização em empresas privadas ou o controle de subsídios, incentivos ou auxílios a entidades previdenciárias, assistenciais e empresariais são alguns dos exemplos deste alargamento, por vezes inadequado.
Outro aspecto que pela importância não devo deixar de mencionar é o DOS NOVOS DESAFIOS DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO.
Após a mudança havida no Estado Soviético e as crises ocorridas nos países da Ásia, e porque não dizer, as constantes crises que se verificam nos mercados de capitais, são grandes os desafios que se apresentam aos órgãos de controle externo.
Defendem os reformadores do Estado que as atividades empresariais – em todas as áreas produtivas – devem ser desregulamentadas ao máximo, de forma a sair do controle do Estado. Nesta linha de raciocínio – cuja idéia básica é um Estado diminuído – não lhe cabe executar qualquer atividade industrial ou comercial, e até de prestação de serviços – alguns, diga-se essenciais, como saúde – devendo o Estado agir de modo a permitir que os particulares o façam, para que, segundo entendem, se promova o desenvolvimento do parque industrial, comercial e de serviços, sem a tutela do Estado.
Esta situação traz desafios aos órgãos de controle externo, pois altera profundamente o modelo de estrutura estatal e isto exige do órgão de controle externo estar preparado para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos – que passa a se dar de forma diferente, não mais como auxílios, subvenções – mas, em alguns casos, como transferências orçamentárias a particulares. Muda, assim, aquela fiscalização direta que se faz no órgão público aplicador do recurso, pois, esta aplicação passa a ser feita por particulares, logo cabe verificar não só a correta transferência do recurso – isto é feito no órgão público – mas também a sua boa aplicação pelo particular.
A par de acompanhar a aplicação dos recursos públicos, cabe, também, aos órgãos de controle externo, avaliar o resultado desta mudança no benefício para a população atendida, exigindo, em cada caso, eventual correção de rumos, e disto tudo informar à sociedade, corretamente e a tempo, pois este papel que tanto interessa à sociedade só o órgão de controle externo tem condições de desempenhar, dando a adequada resposta.
Importa registrar que dentre os setores econômicos, o mercado financeiro, de capitais, é o segmento que mais exige um Estado sem regulamentação – distante das atividades empresariais -, porém, é, ao mesmo tempo o setor que particularmente mais exige socorro e proteção do Estado para suas atividades. Parece não sobreviver sem o amparo do Estado.
É um fenômeno mundial ver-se o socorro que quase constantemente os governos dão ao sistema financeiro. E sempre o socorro ocorre sob a desculpa da necessidade de se evitar o caos generalizado que, segundo divulgam, atingiria toda a sociedade, portanto sob um pretexto de colapso total.
Via de regra, sempre que se tem uma situação de socorro governamental aos diversos setores: agrícola, industrial, há sempre uma razão forte e da qual a sociedade sempre toma conhecimento; por exemplo, uma seca prolongada que inviabilize a produção agrícola e traga reflexos na agroindústria. É, portanto, uma situação concreta, que afeta a economia e diretamente a população do país, e para a qual não contribuiu a ação governamental. Situação, portanto, que merece ação de socorro por parte do governo para evitar ou minimizar seus efeitos, os quais, ocorrendo, serão suportados por toda a população de modo geral.
Vejo que é diferente o que ocorre no mercado financeiro e de capitais. A população não consegue enxergar o caos e a crise que se propagam como certos, e contra os quais se requer o socorro do governo como única medida e que precisa ser evitada a todo custo. E o pior, este socorro sempre é de soma altíssima e ocorre em situação de emergência sem tempo de discussão pela sociedade ou Parlamento.
Não tenho dúvidas em expressar meu entendimento no sentido de que o mercado financeiro deve buscar fora do Estado, mecanismos que garantam sua normal existência. Deve ser visto pelo Estado como os demais segmentos o são. Não há razão para ter privilégios, com ganhos enormes como o que se observa na atualidade e ainda assim contar com a proteção do Estado, naquelas situações em que mal administrados não conseguem sobreviver.
Não é situação fácil, portanto, esta que se apresenta como um desafio aos Tribunais e Controladorias: ajustar-se ao novo modelo do Estado para bem desempenhar sua missão de fiscalizar a boa aplicação dos recursos do orçamento público e ter padrão de avaliação de resultados para dar à sociedade a satisfatória informação que ela espera. Especialmente quando estes recursos são carreados para o mercado financeiro.
Mas a consciência da missão institucional que têm os seus membros, há de facilitar o encontro de soluções adequadas.
Nesta oportunidade ímpar que tenho de falar aos senhores neste Foro, entendo conveniente falar-lhes, ainda que numa abreviada síntese, sobre o sistema de fiscalização adotado, no Brasil, especialmente pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, ao qual pertenço.
A jurisdição do Tribunal de Contas, no caso do Brasil, se estende a todos os órgãos da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, compreendendo os três níveis de Governo: federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas da União (TCU) fiscaliza os órgãos e entidades federais, e aos Tribunais Estaduais (TCE) compete fiscalizar todos os organismos estaduais e municipais, exceção feita apenas aos Municípios que em 1988, possuíam Tribunal próprio (a cidade de São Paulo é exemplo), uma vez que a Constituição de 1988, garantiu a existência dos que haviam sido criados anteriormente, proibindo os demais Municípios de os instituírem.
2. Das atribuições do Tribunal
Possui o Tribunal de Contas amplo leque de atribuições, mas, com o intuito de ser didático, procurarei transmitir apenas uma síntese daquelas que considero básicas e que pode ser assim resumida:
a. Parecer anual sobre as contas do Governo estadual e Prefeituras
Para que as contas gerais do exercício – tanto a nível de Prefeituras (5) como de Governo do Estado- possam ser julgadas pelo Legislativo (Câmara e Assembléia), exige a Constituição prévio Parecer emitido pelo Tribunal de Contas.
Trata-se, portanto, de um importante papel exercido pelo Tribunal de Contas, cabendo ressaltar que, só poderá ser contrariado pelo Legislativo, com a votação de 2/3 dos parlamentares.
b. Julgar contas de cada Unidade Gestora, Empresas e Sociedades de Economia Mista, Fundações, e responsáveis por bens e valores (a nível estadual e municipal)
Trata-se, neste caso, de julgamento, não de parecer. Um julgamento de irregularidade implicará em conseqüências para o responsável, entre as quais, se tem a previsão de inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64, de 16 de maio de 1990, que em seu artigo 1º (alínea g, do inciso I) passou a prever a inelegibilidade para o período de 5 (cinco) anos contados a partir da decisão, no caso de rejeição das contas.
c. Registro dos atos de admissão, aposentadorias e reformas
O registro de uma admissão, ou de uma aposentadoria implica em ter o Tribunal apreciado a legalidade do ato praticado pelo órgão.
d. Julgar aplicação de Auxílios, Subvenções, Contribuições e outros recursos.
Ao proferir julgamento sobre a aplicação de uma verba – via de regra concedida para uma entidade privada por um órgão público – se houver decisão de irregularidade, o órgão recebedor ficará impedido de receber novas verbas do Poder Público, e o responsável poderá vir a ser responsabilizado.
e. Julgar as Licitações e Contratos
Este item das Licitações e Contratos – entendo constituir-se num tema especial que merece um pouco mais de detalhe para se esclarecer como ocorre o trâmite processual no Tribunal de Contas.
Todos os contratos da Administração Pública – da Administração direta, indireta e fundacional – no caso do Estado de São Paulo, são julgados pelo Tribunal de Contas do Estado. Não há, no entanto, o mesmo critério em todos os demais Tribunais de Contas Estaduais.
e.1. Contratos de maior valor – fiscalização e julgamento
A fiscalização tem características diferentes, exigidas em função do grande número de contratos celebrados pela Administração, razão pela qual, levando-se em conta a impossibilidade de se fiscalizar todos os contratos individualizadamente, o Tribunal decidiu que os órgãos fiscalizados devem enviar ao Tribunal todos os contratos precedidos de Tomada de Preços – hoje em valor acima de R$ 650.000,00 – e os celebrados por dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Ao serem recebidos no Tribunal, tais contratos são autuados em processo próprio e têm instrução processual pelos órgãos de fiscalização, iniciando-se por um Agente da Fiscalização, sua Chefia e Diretoria, – cargos de nível superior, preenchidos, no nível inicial, por concurso público.
A razão de o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo fiscalizar individualmente os contratos, deve-se ao fato de representarem o maior volume de recursos orçamentários consumido da Administração, o que é muito relevante, principalmente considerados em relação aos valores destinados aos auxílios e subvenções.
Tais órgãos de instrução apresentam relatório circunstanciado, apontando, com toda a liberdade, se os atos da licitação e da contratação foram praticados pela Administração com o cumprimento ou não da legislação. As falhas devem ser sempre registradas, indicando o dispositivo legal descumprido, havendo casos de o relatório ser enriquecido com a posição doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto. Abordam, também, se foram obedecidos os princípios que regem a licitação – impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, vinculação ao instrumento convocatório, e demais que sejam correlatos.
É, portanto, o Relatório de Auditoria, a primeira manifestação técnica existente no processo sobre a licitação e o contrato.
Há casos que pela complexidade ou especialidade do objeto, exigem manifestações de outros órgãos técnicos, como a Assessoria Jurídica, a de Engenharia, de Economia para o perfeito esclarecimento dos fatos.
Importante lembrar que, em se tratando de órgãos da administração estadual, direta ou indireta, sempre se pronunciará a Procuradoria da Fazenda, que é o órgão do Governo estadual com assento junto ao Tribunal, cabendo-lhe opinar pela regularidade ou não dos atos praticados pela Administração.
Nesta fase da instrução, os autos irão conclusos ao Conselheiro que tenha sido designado Relator do processo – por distribuição aleatória e eqüitativa – a quem caberá o julgamento, nos casos em que o Regimento Interno lhe atribua competência singular ou quando for competência de Câmara relatar o processo, submetendo seu voto de julgamento aos demais Conselheiros da Câmara à qual pertença.
Antes, porém, do julgamento, o Conselheiro Relator publica no Diário Oficial o prazo que concede para a direção do órgão fiscalizado apresentar suas justificativas ou regularizar os atos impugnados, abrindo-se, também, a oportunidade para todos os envolvidos, – ordenador da despesa, membros da comissão de licitação e as empresas privadas contratadas – tomarem conhecimento da instrução processual e, eventualmente, apresentarem também suas justificativas.
Oportuno ressaltar que o Tribunal de Contas, por decisão adotada em sede de agravo interposto por uma empresa privada, decidiu assegurar o direito constitucional de ampla defesa aos terceiros interessados, uma vez que, as decisões proferidas podem alcançar-lhes, tanto juridicamente, como também, no aspecto econômico.
Cabe, ainda, lembrar que por disposição contida no artigo 108 da Lei Complementar nº 709/93, o Tribunal poderá declarar inidôneo pelo prazo de até 5 anos, impedindo de contratar com a Administração Pública, licitante que tenha fraudado licitação ou contratação, utilizando-se de meios ardilosos e com intuito de alcançar vantagem ilícita para si ou para outrem.
Findo o prazo fixado, os autos retornam à instrução para a apreciação das justificativas e documentos apresentados pelas partes interessadas, podendo haver novas diligências, sendo possível a fixação de novo prazo, para a completa elucidação dos fatos contidos na instrução, e, em casos especiais, até vistoria ou exame “in loco”, pela área de Engenharia ou pela auditoria.
Concluída, assim, finalmente, a instrução, com todas as respostas aos questionamentos levantados pela auditoria e assessorias técnicas, o processo estará pronto para o julgamento, que, como afirmado, será de competência do Conselheiro ou da Câmara à qual pertença o Relator.
Oportuno salientar que se o julgamento for de ilegalidade, poderá haver, ainda, aplicação de multa pecuniária ao responsável, além de remessa de cópia à Assembléia Legislativa ou Câmara Municipal (conforme se trate de órgão estadual ou municipal), e ao Ministério Público, se entender o julgador ou o Tribunal ter ocorrido indícios de práticas criminosas.
Em casos de maior gravidade, pode também o Tribunal decretar a inabilitação do responsável para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública, por período de até 8 anos, havendo, também, a previsão legal de medidas para o arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito (artigos 106 e 107 da Lei Orgânica, LC 709/93).
Do julgamento – singular ou colegiado – podem os interessados apresentar recursos – Pedido de Reconsideração, Recurso Ordinário, e até Ação de Rescisão – de acordo com as normas e critérios prescritos na legislação e no Regimento Interno.
e.2. Contratos de menor valor – fiscalização por amostragem
Os contratos de valores inferiores (hoje abaixo de R$ 650.000,00), sofrem a fiscalização no momento em que a equipe de auditores (Agentes da Fiscalização), comparecem no órgão para fazer a auditoria anual de todos os atos de gestão. Pelo método da amostragem são escolhidos alguns contratos e encontrando irregularidades, os auditores os requisitam para formar processo a ser instruído no Tribunal, nos moldes descritos para os de valores superiores.
Tem o Tribunal de Contas competência para determinar a sustação de contratos, nos casos em que, detectada a prática de ilegalidade, tenha sido fixado prazo ao órgão e este não tenha adotado providências para a regularização (artigo 2º, inciso XIV da LC nº 709/93).
Decidida a sustação, o Tribunal comunica à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal competente, conforme se trate de órgão, entidade ou empresa pertencente ao Estado ou a Município. A Constituição prevê que se a Assembléia Legislativa ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias não efetivar as medidas apropriadas, o Tribunal decidirá a respeito, ou seja, retorna a competência para o Tribunal de Contas.
Esta comunicação ao Poder Legislativo o Tribunal também faz, nos casos de julgamento de ilegalidade de contratos e quando verifica qualquer irregularidade nas contas ou na gestão pública, encaminhando cópia dos documentos.
De interesse lembrar que cabe ao Ministério Público, nos termos do artigo 103, inciso XII da Lei Complementar nº 734/93 (LOMP), o ingresso em Juízo, de ofício, para a responsabilização dos que tiverem sido condenados pelo Tribunal de Contas. Para possibilitar o exercício desta atribuição o Tribunal de Contas sempre remete àquele órgão cópia dos processos em que apura irregularidades.
e.4. EXECUÇÃO CONTRATUAL – Demonstração das Despesas
O julgamento final de ilegalidade de uma licitação ou da contratação importa na irregularidade da despesa, que não pode, portanto, ser suportada pelo Poder Público, cabendo à Administração obter dos responsáveis o ressarcimento aos cofres do erário.
Por força da atual Lei de Licitações (a Lei nº 8.666/93, com as alterações das Leis nº 8.883.94 e 9.648/98), os órgãos fiscalizados devem demonstrar ao Tribunal de Contas a regularidade da execução contratual. Disto decorre a possibilidade de existir uma licitação e contratação julgadas regulares, e posteriormente decretar o Tribunal a ilegalidade de toda ou parte da despesa decorrente, se, no exame da documentação comprobatória da execução, detectar-se irregularidades. Inadmissível, por exemplo, que uma obra, com pagamentos previstos em função das medições, seja paga sem guardar estreito vínculo com o cronograma de realização. A licitação e a contratação podem ter sido regulares, mas a despesa, nestas condições não o será.
Outros dois assuntos de importância e cuja competência foi cometida ao Tribunal de Contas, por força do disposto na Lei de Licitações em vigor, desde 1993, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, trata do Exame Prévio de Edital e da Obediência à Ordem Cronológica de Pagamentos.
A lei de licitações em vigor, de forma inovadora e com vistas a assegurar o amplo direito de petição, corretamente admitiu a possibilidade de todo licitante, ou pessoa física ou jurídica, que observe irregularidade em algum item do edital possa representar ao Tribunal de Contas, contra o que entender de ilegal ou irregular, podendo até pleitear a suspensão do procedimento licitatório.
Desde que formule sua petição apresentando indícios de irregularidades no edital o Tribunal poderá, até o dia anterior à data prevista para a abertura dos envelopes, requisitá-lo, com outros elementos completos, para proceder ao seu exame prévio. Nesta hipótese, o Tribunal, à vista dos elementos processuais poderá determinar a suspensão do procedimento licitatório, até que decida o processo, concluindo por determinar retificação nos itens em que houver irregularidade ou, em não havendo, cancelar a suspensão, podendo o Órgão continuar o normal procedimento.
Esta inovação legal implicou numa mudança do modelo de julgamento do Tribunal, que, via de regra, só julga posteriormente, neste caso, como o próprio nome indica, o exame é prévio.
2. OBEDIÊNCIA À ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTOS
A atual Lei de Licitações – nº 8.666/93 – trouxe uma norma obrigando que os pagamentos sejam feitos obedecendo à ordem cronológica de exigibilidade das obrigações. A norma legal não é tão clara, trazendo aos administradores públicos muitas dúvidas para seu efetivo cumprimento. Diz o artigo 5º que cada Unidade da Administração deverá “no pagamento das obrigações …, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.”
Ainda assim, de grande alcance se mostra a previsão legal, por permitir aos credores de menor porte uma segurança quanto ao seu direito, uma vez que em tese podem acompanhar as ações da administração, questionando eventual situação de descumprimento da ordem cronológica, que só pode ocorrer havendo interesse público. Nessa hipótese, exige a lei que o Administrador publique as razões que o levaram a quebrar a ordem de vencimento, o que é instrumento que objetiva dar ciência a todos os credores das razões de interesse público que estão sendo atendidas pelo Poder Público.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, desde outubro de 1995 disciplinou o assunto, exigindo que os órgãos fiscalizados apresentem, mensalmente, a relação dos pagamentos efetuados, indicando os feitos fora da ordem e com as justificativas publicadas. (6)
Gostaria, também, de falar aos senhores sobre um projeto especial do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que atento à modernidade e preocupado com a transparência que merece ser dada às informações da Administração Pública de modo geral, instituiu um Banco de Dados.
Inicialmente solicitou o Tribunal que todos os Prefeitos respondessem a um questionário, contendo inúmeras informações e indicativos econômico-sociais, possibilitando, assim, ter-se uma radiografia de cada município.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desenvolveu um projeto que resultou num Banco de Dados, já disponibilizado na Internet, ainda que em fase de consolidação. Às informações já contidas no processo anual do Tribunal – que são as de cunho econômico-financeiro (orçamentárias e extra-orçamentárias) – tal Banco agrega outras, referentes a dados sociais, como quantidade de escolas públicas e privadas, quantidade de hospitais públicos e privados, clientela atendida; existência de órgãos assistenciais – creches, asilos – e seus dados de atendimento; segurança pública – efetivo civil e militar; vagas de presídio; população, número de eleitores por faixa etária), e outros, sendo, assim, instrumento útil à consulta de quaisquer interessados.
Basicamente, essas novas informações permitem ao Tribunal de Contas analisar os atos de gestão da administração com um novo enfoque, o de resultados, não atrelado, portanto, unicamente aos números do orçamento, mas conjugando-os e também comparando-os com o desempenho de administrações de instituições de porte semelhante (arrecadação, população, endividamento) de forma a se avaliar os benefícios que as ações implementadas pela administração trouxeram à comunidade, levando em conta o esforço de arrecadação própria, a diminuição da dívida, os investimentos em projetos de longo prazo.
Sob o ponto de vista da população em geral, entidades representativas da sociedade, partidos políticos etc., os dados agora disponibilizados trazem à luz, de maneira objetiva e ordenada, uma radiografia que contém quase todos os elementos necessários à avaliação dos gestores públicos, configurando diversos indicadores que relacionam a Receita com a Despesa, os investimentos de modo geral (em saneamento básico, educação, saúde), a efetiva arrecadação dos tributos, tudo isso relacionado com os indicadores econômicos e sociais, o que, em última análise, proporciona uma visão sistêmica e por resultados da gestão pública, no Estado de São Paulo, revelando as comunidades e instituições melhores ou piores administradas.
Estes dados relativamente a 1997 já estão disponibilizados na página do Tribunal na Internet (www.tce.sp.gov.br) no ícone Siapnet, permitindo a qualquer interessado conhecer inúmeros relatórios que o sistema apresenta de todos os municípios paulistas, possibilitando o cruzamento de informações, do qual se podem extrair indicadores segundo a criatividade do usuário.
Como exemplo, tem-se a relação dos municípios que não tiveram qualquer investimento no exercício; a relação dos que têm endividamento e o percentual relativamente à arrecadação própria; além de inúmeros outros possíveis.
Finalmente, é possível que muitos se perguntem quais seriam as irregularidades mais comuns cometidas pelos órgãos da Administração Pública, em nosso Estado, tanto a nível estadual, como municipal.
É bem verdade que uma pesquisa nos julgados de nosso Tribunal, permitirá encontrar irregularidades de toda ordem. Importante ressaltar, contudo, que à medida em que as licitações e contratos vão recebendo a instrução processual, o Tribunal fixa, em cada processo irregular, o prazo para a regularização, e isto o faz, por meio de publicação no Diário Oficial, tornando público a todos os gestores, as irregularidades detectadas. Sem dúvida que isto, de forma automática se torna um sinal de alerta, assumindo um caráter pedagógico por permitir aos administradores atentos, a adoção de providências para corrigirem seus procedimentos em andamento ou futuros, eliminando aquele determinado ponto de afronta à lei.
Tal situação é interessante porque implica em que se tenham irregularidades “do momento”. Assim é que, à época da vigência do Decreto-Lei nº 2.300, muitos foram os casos de exigência de garantia na habilitação, por ele proibidos, portanto, inaceitáveis pelo Tribunal. Como hoje a lei federal vigente permite, então cabe ao Administrador decidir, não sendo ilegal a exigência, desde que dentro do limite percentual fixado, quer sua dispensa.
Defendo ponto de vista contrário à exigência. Entendo que é restritiva à competição, e fiquei até satisfeito em observar que no anteprojeto da nova Lei, dado à público pelo Ministério da Administração para colher sugestões da sociedade, tal exigência está excluída, não constando, portanto, nem como obrigatória, nem como faculdade do administrador (7).
Outro ponto é o desatendimento ao princípio da publicidade, que ainda hoje ocorrem. Não dando o órgão licitante, a publicidade mínima que a lei exige, o Tribunal tem sido rigoroso e não aceita a licitação e o contrato, decretando-lhe a ilegalidade.
Projeto básico inexistente é, por sua vez, uma das graves irregularidades, principalmente quando se trata de grandes obras. A lei é rígida nesta exigência e com muita razão, porque não tendo o administrador o projeto básico do que vai contratar, implica dizer até que não sabe o que necessita, portanto, não sabe o que contratar. É necessário que saiba o administrador com muita clareza o que seu órgão/unidade necessita e possa demonstrar isto aos licitantes, para que todos, de igual modo, possam, se o quiserem, formular suas propostas.
Negociação de preço com os licitantes é outro ponto interessante. Admite a lei (parágrafo único do art. 48), que se todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou novas propostas. Na hipótese de a Administração chamar apenas um licitante para a adequação do preço aos níveis compatíveis, estará cometendo uma ilegalidade, porque todos têm direito à oportunidade de reformularem seus preços.
Exigências de atestados de execução de serviços, como condição para participar da licitação é também um ponto até controverso. Alguns órgãos querem que os licitantes comprovem ter executado contratos com a mesma quantidade da que pretendem licitar. O Tribunal não aceita esta exigência, porque afronta o inciso I do § 1º do artigo 30 que veda as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos, ferindo, claramente a competitividade e a livre concorrência. É justificável a preocupação do administrador em só contratar empresas que tenham condições para bem executar o trabalho, porém, não pode com isto excluir da concorrência as empresas que, embora de menor porte, reunam condições técnico-operacional que lhes possibilite de igual modo executar o trabalho, ainda que não detentoras de contratos com iguais quantitativos. Aceitar-se esta situação seria impedir o crescimento das empresas.
A falta de previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações a serem assumidas no exercício financeiro em curso, é também outro ponto que contraria o inciso III do artigo 7º da Lei de licitações, e sua ocorrência implica na inaceitação da licitação como regular pelo Tribunal.
Em síntese, importante é deixar configurado que em todo procedimento é inaceitável a infringência à garantia da melhor proposta, e a afronta aos princípios básicos da licitação, como o da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, e ainda de outros que lhe são correlatos.
Concluo minha palestra, Senhoras e Senhores, fazendo um breve resumo, apontando os itens que considero de grande importância:
1º – A existência do órgão de controle externo.
Em quase todos os países, existe um órgão de controle externo da Administração, quer sob o sistema de Tribunal de Contas, ou Controladorias. Só em nações de organização rudimentar ou em Estados fortemente autoritários é que não se encontra sua existência.
Na maioria dos países os Tribunais ou Controladorias situam-se junto ao Parlamento, em posição de autonomia e independência, com suas competências de fiscalização definidas por lei. Em poucos países acham-se vinculados ao Executivo, e, em número irrisório, junto ao Poder Judiciário.
Na maior parte, o sistema adotado é o da fiscalização concomitante e posterior dos atos da Administração. O sistema de fiscalização prévio, antes majoritário, nos dias atuais é mantido apenas por um número reduzido de países, ainda assim limitado a alguns tipos de atos do Governo.
É amplo o leque de modalidades de decisões que podem apresentar os Tribunais e Controladorias. Exemplo comum a todos os órgãos, é o parecer anual sobre as contas gerais dos governos. Com algumas diferenças podemos citar os mais comuns: o julgamento das contas das empresas públicas; o relatório ou julgamento de contratos; o registro de admissão de pessoal ou o visto de atos do Governo.
Na maioria dos países, as decisões dos Tribunais ou Controladorias têm caráter de obrigatoriedade perante o Executivo. Frente ao Poder Legislativo têm caráter de sustentação técnica às deliberações políticas. Perante o Judiciário, como regra, o seu caráter é de coisa julgada administrativa.
6º – Situação funcional dos Órgãos e de seus Membros
Na maioria dos países os órgãos de controle são dotados de independência em relação aos Poderes e ampla autonomia administrativa e funcional, dispondo, também, de independência para estabelecer seu roteiro de auditoria.
Seus membros gozam das garantias, vantagens, prerrogativas, vencimentos e impedimentos da Magistratura, que impedem retaliação por parte dos fiscalizados.
7º – Conjunto de competência do controle externo
As competências, basicamente, são exercidas sobre os atos da Administração, suas receitas e despesas.
Por meio de inspeções, auditorias, pareceres e julgamentos, os Tribunais e Controladorias têm competências exclusivas fixadas por lei, sendo em alguns países, pela própria Constituição.
Há uma tendência de expansão dessas competências, ampliando-se os tipos de atos administrativos passíveis de verificação pelo órgão de controle externo. Registra-se casos de competências impróprias aos Tribunais ou Controladorias, como a verificação e evolução dos bens de funcionários públicos. Nestes casos atípicos, a competência é concorrente com outros órgãos, como Ministério Público, Ombudsman, Defensorias ou Ouvidorias.
8º -Grau de independência e autonomia dos órgãos de controle
O grau de independência do órgão de controle externo determina o grau de evolução democrática de uma nação.
Mostram-se os Tribunais ou Controladorias tanto mais eficientes, quanto maior for a estabilidade democrática de um povo.
As mudanças que sofrem os Estados, atualmente, exigem dos órgãos de controle externo fazerem uma reciclagem de suas ações, reestruturando seus procedimentos de modo a exercerem um controle ágil, eficiente, sem amarras burocratizantes e incentivando a Administração a buscar formas de organização mais modernas e menos onerosas ao Erário.
A adoção de novas e abrangentes técnicas de auditoria, que permitem aos Tribunais e Controladorias efetuarem uma fiscalização que ultrapassa a mera apreciação formal e legal, chegando à análise da economicidade, é sem dúvida, o caminho dos órgãos externos de fiscalização financeira e orçamentária da Administração Pública.
9º – a caracterização do Estado Democrático de Direito
Pressupõe a existência de um órgão de controle externo – Tribunal de Contas ou Controladoria – abrangente, atuante, sempre atualizado e independente.
Finalmente, lembro o desafio que se apresenta para os Tribunais ou Controladorias, em resolver a questão do uso do dinheiro público quando utilizado para o socorro ao mercado financeiro. Será necessário que os orgãos de controle externo encontrem resposta adequada para a sociedade neste particular, buscando mecanismos de controle que permitam avaliar tal situação, da mesma forma como o faz em outros campos, ou seja, sob os pontos de vista, entre outros: da legalidade, economicidade e razoabilidade.
Encerro, assim, com meus agradecimentos aos senhores pela atenção dispensada.
Muito obrigado.
ANTONIO ROQUE CITADINI
______
Notas:
1) No capítulo 1 do Livro trato mais detalhadamente o tema, concluindo que, quanto mais estável e duradouro é o regime democrático, melhor condição de atuação tem o órgão de controle da Administração. Naquele item viu-se que somente países antidemocráticos, ou de organização recente de Estado, prescindem de um órgão de fiscalização e controle autônomo e independente.
2) Ao tratar da independência dos órgãos de controle, o Congresso da INTOSAI, de 1977, em Lima, Peru, traz a seguinte declaração: “1. Uma instituição superior de controle pode desenvolver as próprias competências eficazmente e com objetividade somente se se encontra em situação de independência em relação ao órgão submetido a controle e esteja protegida em relação a influências externas. 2. Embora seja impossível absoluta independência dos órgãos do Estado, em vista de sua inclusão no contexto estatal, a instituição superior de controle deve gozar de independência funcional e organizativa para o desempenho das próprias competências. 3. A existência da instituição de controle e seu grau de necessária independência devem encontrar fundamento na Constituição; ulterior regulamentação pode ser deixada às leis ordinárias” (Declaração de Lima sobre os Princípios de Controle da Finança Pública, citação de Eduardo Gualazzi, em sua obra Regime Jurídico dos Tribunais de Contas, p.43).
3) Neste ponto é importante lembrar que em todos os Congressos da INTOSAI, desde o primeiro realizado em Havana, Cuba, em 1953, bem como nas reuniões regionais promovidas por organizações de entidades de controle na Ásia, Europa e nas Américas, esta preocupação pela autonomia vem sendo enfatizada como questão fundamental para a boa execução do controle da Administração.
4) Convém ressaltar que o IX Congresso da INTOSAI, realizado em Lima, Peru, em 1977, tratou de forma exemplar a matéria relativa à independência dos membros dos órgãos de fiscalização, cabendo mencionar integralmente, como traduzido pelo doutrinarista Eduardo Guallazzi, em sua obra Regime Jurídico dos Tribunais de Contas: “1. A independência das instituições superiores de controle conecta-se estreitamente com a independência de seus membros. Por membros entendem-se aqueles que têm poderes decisórios e que assumem responsabilidade pessoal por decisões em face do público, assim como os membros de um colégio dotado de poderes decisórios ou o chefe de uma instituição superior de controle com organização monocrática. 2. A Constituição deve, por outro lado, garantir a independência dos membros. Deve-se especialmente evitar que a independência dos membros se prejudique por decadência da designação, ainda que prevista na Constituição. Nomeação e cessação são reguladas pelas Constituições dos Estados. 3. Os membros das instituições superiores de controle, encarregados do controle, não devem, ao longo de suas carreiras profissionais, ser submetidos à influência do ente sujeito a controle e devem encontrar-se em situação de independência, em relação ao seu controlado.” (grifei)
5) O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo jurisdiciona 644 municípios. Só o município de São Paulo (capital) que tem Tribunal de Contas próprio.
6) A Instrução 2/95 recebeu um Aditamento – 1/97 -, em abril de 1997, definindo, para esse efeito, as “fontes de recursos” e estabelecendo limite de despesas para a prestação das informações ao Tribunal.
7) Registra-se que o Plenário do Tribunal de Contas do Estado, decidiu ser legal a exigência.