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Manchete: Os Jovens Pedem Passagem

Os jovens querem deixar de ser pingentes da politica e estão cansados de viajar do lado de fora dos acontecimentos.
Às vezes caem e se machucam muito. Os mais tímidos enjoaram de ficar na plataforma, vendo o trem passar – povoado de adultos encanecidos. O vagão só tem duas portas: Arena e MDB. Ainda assim, os moços querem entrar e estão ingressando, em grande número, nos chamados partidos oficiais. MANCHETE reuniu quatro estudantes, dois filiados à Arena e dois ao MDB, para um debate que durou quatro horas.

MANCHETE ouve em São Paulo quatro estudantes que ingressaram nos dois partidos políticos nacionais, atendendo à convocação que o Presidente Geisel dirigiu à juventude.

OS JOVENS PEDEM PASSAGEM

José Luís Portela Pereira, 22 anos, é presidente do Departamento da Juventude do Estado de São Paulo e cursa o 5.° ano de Engenharia Civil e o 1.° de Administração de Empresas. Como seu colega de partido, José Carlos Zaninotti, 25 anos, bacharel em Direito e aluno de pós-graduação em Direito Constitucional, trabalha na Secretaria de Esportes do Município de São Paulo. Alfredo Spínola de Melo Neto, 25 anos, é coordenador de Cursos do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais, o IEPES (órgão filiado ao MDB), cursa o 4.° ano da Faculdade de Direito e é funcionário da Assembléia Legislativa de São Paulo. Seu parceiro no debate. Antônio Roque Citadini, 24 anos, é vice-presidente da Juventude Democrática do MDB, cursa o 2.° ano de Direito e é editor da Revista dos Tribunais.

Os dois jovens arenistas estiveram recentemente com o Presidente Ernesto Geisel, levando suas sugestões para uma maior participação da juventude arenista no processo político. A impressão foi que o presidente não só encoraja essa participação, como a considera indispensável.

MANCHETE – Como vocês encaram a chamada abertura política?

SPÍNOLA, MDB – Há apenas uma intenção de abertura. Não existem fatos concretos. Embora a censura imposta à imprensa tenha sido suspensa em alguns jornais, em outros, como é o caso de “Opinião”, ela continua implacável. Em “O São Paulo”, publicação da Cúria Metropolitana, ela age duplamente: censura informação e religião. Devo ressaltar, antes de falar em abertura, que o Ato 5 foi aplicado, recentemente, no Acre. Aqui em São Paulo, porém, já está havendo um certo diálogo. Isso pode ser um indício de abertura.

PORTELA, Arena – A abertura política é inegável. Tanto que os parlamentares do MDB, como o Senador Franco Montoro e o Deputado Tales Ramalho vieram parabenizar, de público, o Presidente Geisel pela distensão. Esta entrevista é outra prova disso. É a juventude participando dos partidos. A campanha eleitoral de 15 de novembro também comprova a abertura. Arena e MDB disseram o que quiseram e foram raros os casos de intervenção. E o MDB ganhou em São Paulo. Sem contar que neste Estado existe o diálogo aberto entre Executivo e Legislativo.

MANCHETE – E do ponto de vista cultural, o que vocês acham da abertura?

ZANINOTTI, Arena – É uma abertura evidente, a partir da suspensão da censura em alguns jornais. Como exemplo, cito o caso de “O Estado de S. Paulo”, que já não sofre censura. Disseram que esse grande jornal ganhou isso de presente. Não é verdade. Foi o resultado de um trabalho que foi ao encontro do processo de distensão empreendido pelo Presidente Geisel. Um povo é feliz quando tem sua cultura desenvolvida. Mas mesmo a abertura cultural tem que ser gradual. É necessário que seja assim, por causa do momento histórico nacional, tendo em vista o passado político que morreu com o advento de 31 de março, quando houve um processo saneador.

ROQUE, MDB – Não existe abertura cultural. Fato recente e patente foi a proibição de “Abajur Lilás”, a última peça de Plínio Marcos. Temos dados concretos, provando que mais de 400 peças estão interditadas pela Censura. No campo musical, só precisamos citar um exemplo: Chico Buarque. No da literatura, dezenas de historiadores e intelectuais estão proibidos de fazer conferências. Aliás, não pode haver abertura cultural, sem abertura política. Se, esporadicamente, a Censura sai de um jornal, por motivos circunstanciais – ou pessoais – isso não é indício de abertura. E não se pode falar de abertura gradual, como a Arena defende. Isso não existe, assim como não pode existir um estado híbrido de coisas. Ou há ou não há abertura. E, para nós, não há.

MANCHETE – E quanto à participação dos jovens na política?

SPÍNOLA, MDB – O jovem, principalmente o universitário, está realmente impedido de participar da política, desde a vigência do Decreto 477. E não é novidade para ninguém que o aprendizado da política deve começar na universidade. É lá que as idéias são postas em questão. É lá que ele pode moldar a sua formação política, cultural e social. O jovem de hoje não sabe como participar nem do pensamento nem da ação política. Ele foi excluido de tudo. Agora, neste momento, com apelos até do governo, o jovem está sendo chamado a participar. Mas isso será difícil. Ele não aprendeu a pensar politicamente durante o curso universitário, para saber optar por um partido. Acho que deveria ser uma luta comum – nossa e dos jovens da Arena – para revogar o 477. Com ele presente, quem vai se arriscar na política?

PORTELA, Arena – Concordo com o que o MDB diz. A participação do jovem não acontece como seria necessário. No entanto, nas faculdades já se nota uma mudança, urna preocupação maior em ler, se informar e discutir política, E isso deve ser assim mesmo, pois 60% da nossa população têm menos de 20 anos. Esses jovens têm que ser representados ou se representarem politicamente. Os Departamentos de juventude, tanto o nosso como o do MDB, estão, por ora com problemas de estrutura. E e por isso que não tomamos posição mais clara até agora. Somos favoráveis à extinção do 477, pois ele se tornou um espantalho para os estudantes. Defendemos a criação de um instrumento que não seja de exceção e que defina os direitos e deveres do estudante. Seria o Estatuto do Estudante, como existe o Estatuto do Magistério ou do Funcionalismo Público. O estudante deve ter o direito de se defender pelos meios legais de alguma acusação que lhe façam. Já estamos estudando o estatuto e brevemente remeteremos a Brasília o primeiro esboço. É uma iniciativa concreta, nossa, da jovem Arena.

MANCHETE – Como vocês arregimentam estudantes para os seus partidos?

ZANINOTTI, Arena – Até 1973, não havia essa possibilidade. Até que surgiu, em São Paulo, o movimento dos Deputados Caio Pompeu Toledo e Jacó Pedro Carollo, inspirados na iniciativa do Deputado Murilo Badaró. Começaram os cursos de formação política para 100 universitários. Desses cursos – oito, ao todo – surgiram monitores que ajudaram a formar outros cursos. Era a janela que se abria. Os jovens entraram e surgiu o Departamento da Juventude, em 10 de março deste ano. Há também um Departamento Feminino, pois a mulher tem problemas específicos.

ROQUE, MDB – Fundamentalmente, nós temos um programa. E os jovens do MDB querem levar esse programa ao povo. Depois de distribuir o programa, costumamos organizar debates em associações de bairros, escolas e igrejas. Esses 40 ou 50 núcleos já existentes têm um grande número de jovens interessados. O nosso objetivo é conscientizá-los. Não exercemos nenhum paternalismo, em projetos como o Mini-Rondon, da Arena. Não. O nosso programa é mais do que um programa de juventude. É todo um programa político, amplo.

MANCHETE – Como vocês participam da política de diretórios?

SPÍNOLA, MDB – Os diretórios são as células vivas do partido. Eles são para a política o que a família é para a sociedade. Temos procurado levar os jovens aos diretórios. lnfelizmente, até agora, esses diretórios só têm se mostrado atuantes em épocas de eleição. É uma tradição nacional que os Departamentos de Juventude do MDB querem extinguir. O diretório precisa estar em funcionamento sempre. Estamos, hoje, com 480 diretórios em São Paulo. Na última eleição, tínhamos apenas 280. Nas próximas eleições, pretendemos estar em todos os municípios. Com os jovens atuando.

PORTELA, Arena – Nós estamos com aproximadamente 60 diretórios em São Paulo e em todos os municípios do interior. Eu também acho que os diretórios são a base dos partidos. Estamos com mais de 30 na capital e vamos para o interior. Nos diretórios, queremos que os mais velhos nos ouçam.

MANCHETE – O que vocês pretendem fazer para as próximas eleições?

PORTELA, Arena – O Departamento de Juventude vai lançar candidatos e apoiar os do partido. Em 1976, pretendemos que jovens arenistas estejam em cargos de vereança e nas prefeituras.

SPÍNOLA, MDB – Lançaremos os nossos candidatos e apoiaremos os do partido. A nossa preocupação vai ser trabalhar em cima do programa.

MANCHETE – Quais as opiniões que vocês têm do governo Geisel?

ZANINOTTI, Arena – O governo está se preocupando com o objetivo principal da Revolução de 64: o homem. Nada mais positivo do que o Ministério da Previdência Social, criado por Geisel. Digo isso sem desmerecer os outros, seus antecessores.

ROQUE, MDB – O Presidente Geisel é o 4.° presidente do Movimento de 64. Como Zaninotti afirma, ele é a continuação dos governos anteriores.

SPÍNOLA, MDB – Acho que o governo Geisel procura um consenso. Mas não por vontade ou acaso. É por necessidade concreta. Essa necessidade foi demonstrada pelas urnas de novembro. O atual governo tenta promover a distensão. Mas quem é contra a distensão? Como diz o Brossard: Nós esperamos, o presidente quer, o MDB almeja. O que nós pretendemos de Geisel são medidas que concretizem essa sua pretensão. Para nós, jovens do MDB, distensão ê redemocratização. Fim do estado de exceção.

PORTELA, Arena – O governo Geisel tem sensibilidade política e é objetivo. Ele encoraja a abertura. É um dever dos jovens mostrar que temos condição de participar, com elevação, de debates políticos. E deve-se falar da seriedade do II PND do governo.

-OS JOVENS DA ARENA E DO MDB QUEREM ATUAR E SER INFORMADOS

MANCHETE – Como vocês encaram os resultados das últimas eleições?

ROQUE, MDB – O povo disse não a muitas coisas que ele não sabia que existiam e o MDB lhe mostrou durante a campanha. Disse não principalmente à política econômica do governo.

ZANINOTTI, Arena – Nada disso. O que houve foi reflexo da crise internacional em nosso país. O MDB sensibilizou o povo com base nessa situação e ganhou. O resultado se deveu menos aos méritos do MDB do que às falhas da Arena. Esta não soube ver os anseios da população. Nós pretendemos mudar isso e fazer com que o partido se integre às suas bases.

SPÍNOLA, MDB – Discordo. O MDB levantou teses concretas que foram ao encontro das massas. Uma pesquisa feita pela SEBRAP mostra que o MDB venceu por causa do aceno das teses defendidas.

MANCHETE – Como vocês pretendem preparar a população para novas eleições?

SPÍNOLA, MDB – Achamos que o povo brasileiro conquistou o direito de escolher seus representantes, através de muitas lutas, no curso de sua história. E essa escolha envolve tudo, inclusive postos executivos. Quando o MDB se coloca contra eleições indiretas, não está questionando o valor das pessoas. Nós condenamos é o processo de escolha dessas pessoas. As elites também erram. Veja os vários governos que tiveram de ser destituídos pelo próprio poder que os instituíra. Porque o povo não tem o direito de escolher, mesmo correndo o risco de errar?

PORTELA, Arena – Nós não pensamos assim. Tanto que temos cursos de Informação Política. Se os moços se motivarem com esses cursos, irão para o Departamento de Juventude da Arena. Ali trabalharão em nossas estruturas. E estarão sendo preparados para as próximas eleições.

MANCHETE – Nota-se mais apoio do MDB do que da Arena à abertura política. Porquê?

ZANINOTTI, Arena – Contesto. Quem é o primeiro homem da Arena? O Presidente Geisel. Ele é que está promovendo a distensão. Não vejo porque o MDB possa alardear a distensão como sua. Ao contrário, é da Arena. A cúpula do nosso partido também defende a participação do jovem na política…

ROQUE, MDB – Não se trata de alardear isso ou aquilo. O MDB apóia tudo o que signifique redemocratização. Mas – está historicamente comprovado – é impossível redemocratizar por parcelas. Isso deve vir através de uma ruptura, como afirma Ulisses Guimarães. Não pode haver meio estado de exceção e meio estado de direito. É uma coisa ou outra.

MANCHETE – Porque vocês, jovens, não se manifestaram sobre o divórcio?

SPÍNOLA, MDB – Achamos, com o Cardeal-Arcebispo D. Evaristo Arns, que a questão do divórcio, no Brasil, é uma cortina de fumaça. Existem problemas estruturais muito mais importantes. Ninguém pode esquecer que a maior parte da população não tem condição sequer para casar. E os muito ricos casam e descasam quantas vezes querem. A gente não deve se fixar no divórcio, tirando de pauta questões prioritárias, como os direitos humanos, a situação dos presos políticos, a política econômica do governo etc. Colocar o divórcio como problema importantíssimo para os brasileiros é despistamento. Cortina de fumaça. Mas, pessoalmente, todos nós somos favoráveis ao divórcio.

PORTELA, Arena – Nós também. E é a posição da maioria da população brasileira.

MANCHETE – Quero saber a posição da Arena jovem sobre a censura.

PORTELA, Arena – Ela pode existir, como existe em todos os países, mas de tal forma que não impeça as pessoas talentosas de se manifestarem.

SPÍNOLA, MDB – A censura é lamentável e pior do que ela é a autocensura. Somos pela liberdade total de expressão. Se houver algum abuso dessa liberdade, que seja apreciado pelo Poder Judiciário.

MANCHETE – Qual o objetivo dos partidos de vocês?

PORTELA, Arena – Pretendemos sanar as nossas falhas e nos aperfeiçoar como partido representativo da opinião do país. Vamos lutar nas eleições, pois o objetivo de todo partido é o poder.

SPÍNOLA, MDB – O objetivo final do MDB é a sua própria negação. Ou seja, redemocratizado o país, o MDB tende a deixar de existir. Aparecerão partidos autênticos, populares, representativos das diversas tendências da opinião pública. O MDB tem o caráter de uma frente provisória, com um objetivo principal: a volta da democracia ao Brasil. O MDB poderá até vir a ser um grande partido popular, apesar do seu defeito congênito de ter nascido de cima para baixo. Política tem surpresas. E não é dom, nem privilégio: é necessidade e dever de todo cidadão.

JARBAS PASSARINHO: “NUNCA FECHEI UM DIRETÓRIO ESTUDANTIL”

O ex-Ministro Jarbas Passarinho foi convidado para pronunciar conferências na Universidade de Brasília e na Universidade de São Paulo. Mas não pôde falar. Motivo: havia sido convidado por grupos estudantis, sem a devida chancela dos dirigentes de classe. Por trás do pretexto formalístico, porém, se ocultaria uma outra razão real: o Decreto-Lei 477, que o atual parlamentar da Arena teria apoiado, em mais de uma oportunidade.

O Senador Jarbas Passarinho não gostou dos incidentes de Brasília e São Paulo e já afirmou que está disposto a entrar nas universidades e enfrentar o debate com os estudantes, sejam quais forem as dificuldades que encontre.

“-Quando ministro, nunca deixei de cultivar o diálogo com as lideranças estudantis que me procuraram. Só para dar um exemplo, foi durante a minha gestão que se reabriram os diretórios acadêmicos da PUC do Rio de Janeiro. Ao tomar conhecimento (em 1970) de que os diretórios estavam fechados, exortei o reitor a proceder às eleições. Nunca fechei uma entidade estudantil, durante os quatro anos e meses do mandato do Presidente Médici. Ele e eu muitas vezes fomos escolhidos por universitários para paraninfar suas turmas.”

Sobre sua decisão de discutir assuntos estudantis com os estudantes, enfafizou: “Se for convocado par autoridades estudantis legalmente organizadas (presidentes de diretórios e centros académicos), irei. Cedi, duas vezes, diante da intolerância dos radicais que pretendiam boicolar minha presença, já agora como senador, em simpósios organizados por diretórios. Os rapazes do diretório de Direito da PUC, de São Paulo, por exemplo, insistiram muito no convite que me fizeram. Estavam dispostos até a reagir fisicamente contra os meus opositores, para me garantir a palavra. Achei que não devia aceitar, para não provocar tumulto. Não tenho o direito de provocar problemas na área da Educação, quando meu sucessor, Ministro Nei Braga, dentro da política do Presidente Geisel, está empenhado na distensão. Por outro lado, já passei da idade de dar demonstrações do famoso machismo sul-americano.”

Ele afirma, porém, que não cederá mais.

“Ceder continuamente significa deixar os radicais ganharem terreno. Aí eles imporiam o tipo de liberdade que lhes convém – como se vê em Portugal -, aquela que só eles podem desfrutar.”

Sobre o detonador de todo o choque entre estudantes e autoridades – o famoso Decreto 477 – o parlamentar paraense explica:

“Minha posição, dentro do assunto, não tem mudado. Critiquei o 477 em 1970 (tinha três meses no ministério) numa conferência feita na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica e publicada na “A Defesa Nacional”. Sempre o achei defeituoso, na medida em que não prevê graduação da pena. Bati-me, sem êxito, pela sua reformulação. Mas consegui duas modificações. Primeiro: direito de defesa para o estudante ou professor que podiam apelar, em 2ª instância, para o ministro. Assim, no governo Médici, foram desclassificadas 54 punições e apenas 38 foram mantidas.”

E ele acrescenta.

“Nesses 38 casos, o Decreto-Lei 477 só foi aplicado quando havia configuração de subversão armada. E só aplicamos a punição ao estudante que arrastou a universidade para essa luta. Quando ele estava respondendo a processo na Justiça Militar, mas não envolvera a universidade em suas atividades, não lhe aplicávamos o 477. Afinal, ele já estava sendo julgado segundo a Lei de Segurança Nacional, como cidadão. Minha posição ainda é esta.”

Da esquerda para a direita: Antonio Roque Citadini e Alfredo Spínola de Melo Neto, que militam no MDB; José Luís Portela Pereira e José Carlos Zaninotti, dos quadros da jovem Arena.

Reportagem de NELLO PEDRA GANDARA e fotos de VIC PARISI

(REVISTA MANCHETE, ed. 1.208, 14/6/1975, pp. 16-18)