FUNÇÃO DA JE É DISCIPLINAR E NÃO INTERVIR
Antonio Roque Citadini
Não difere muito o caminho histórico percorrido pela Justiça Eleitoral do caminho percorrido pelo próprio processo político brasileiro. Antes, pode-se afirmar que a Justiça Eleitoral é espelho deste processo, num movimento de complementação e interferência. Criada em 1932 por determinação do Código Eleitoral, de extração varguista, visou substituir, – segundo as palavras do professor José Afonso da Silva, “o então sistema político de aferição de poderes (feita pelos órgãos legislativos), pelo sistema jurisdicional em que se influiriam todas as atribuições referentes ao direito político-eleitoral”. Sua maior contribuição em mais de meio século de existência foi limpar o processo democrático da manipulação imposta pelos caciques políticos na hora da votação e na hora da apuração. Vê-se que a Justiça Eleitoral vem, com erros e acertos, cumprindo função disciplinadora num dos mundos mais indisciplinados e entrópicos de qualquer sociedade: o mundo do poder, onde os conflitos sócio-econômicos, no dia-a-dia latentes, tornam-se patentes e exacerbados.
Pensar os limites disciplinadores da Justiça Eleitoral é, neste momento de aceleração do processo democrático entre nós, pensar a própria democracia e seus principais atores: os partidos políticos. Com o golpe de 1964, a Justiça Eleitoral começou a assumir funções absolutamente impróprias, transformando-se em verdadeira “Justiça Partidária”, tal o grau de intromissão e intervenção na vida dos partidos.
Quase todas as questões eminentemente internas das agremiações passaram a ser decididas nos tribunais eleitorais, corroendo as necessidades legítimas de autogestão e autonomia dos partidos. Ao invés de interferir em disputas ou normas, ou mesmo estatutos de cada partido, a Justiça Eleitoral deveria procurar, cada vez mais, exercer o papel fundamental e fundante, para qualquer democracia, de controlar o número de eleitores, fiscalizar os pleitos e a propaganda política, visando garantir resultados eleitorais limpos. Os resultados de uma eleição livre devem, necessariamente, traduzir a vontade real da população e não sua vontade formal. Para que isso aconteça, cumpre à Justiça Eleitoral retirar-se do campo partidário, tarefa que lhe foi imposta pela ditadura, e adequar-se aos novos tempos.
Além de interferir na vida íntima das agremiações, a Justiça Eleitoral acabou, por isso mesmo, criando uma enorme máquina burocrática, que a levou a uma situação pré-falimentar. No Estado de São Paulo, onde possui inegável tradição de competência, apesar dos desmandos da lei que a obriga a regular questões de competência exclusiva de partidos, a falta de recursos fez com que alguns cartórios eleitorais fossem fechados.
Mediar eleições, verificando o alistamento de eleitores e procedendo a uma correta apuração de votos, é o papel que cabe, neste momento, à Justiça Eleitoral. Assim, ela estará contribuindo para fortalecer os partidos políticos. E para que a expressão política da população seja garantida em seu máximo grau de integridade.
(Folha de S.Paulo, 17/11/1985)