Antonio Roque Citadini
Volta a ganhar força a idéia de uma Assembléia Nacional Constituinte eleita através de candidatos avulsos, isto é, “‘independentes de filiação partidária, ou seja, suprapartidária”. As forças mais empenhadas em viabilizar candidaturas avulsas continuam sendo a Igreja Católica e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Esta proposta agrega componentes muitas vezes distantes: os conservadores, os tecnicistas e o infantilismo ou ingênuos. Alguns conseguem reunir os três requisitos.
Dos conservadores parte o ataque à idéia de termos uma sociedade organizada democraticamente através dos partidos políticos. Historicamente as agremiações partidárias foram contestadas por instituições que vêem nesta forma de organização uma violência à “sociedade natural”. Os fascistas espanhóis conseguiram assumir todo o horror aos partidos, ao denunciarem seu caráter destruidor da família e da sociedade. Não há ditadura que não abumine um sistema partidário livre, com ampla liberdade ideológica e política. No Brasil – que lamentavelmente nunca teve um sistema partidário democrático e sólido – a contestação aos partidos é visível e quase sempre de origem conservadora. A candidatura Jânio Quadros, que reúne um amplo leque de forças cons,ervadoras, é hoje um violento ataque aos partidos.
A Igreja Católica nunca teve boa convivência com partidos políticos. No passado organizou a Liga Eleitoral Católica, apontando candidatos a serem votados em diversos partidos, ultrapassando, assim, as próprias organizações. Interessante destacar que nesta reivindicação de candidaturas avulsas estão todos juntos: d. Paulo, progressista arcebispo de São Paulo; d. Eugênio, conservador arcebispo do Rio de Janeiro; e o reacionaríssimo Plínio de Oliveira, presidente da TFP.
Enfim, na luta contra os partidos políticos tudo vale. Esses grupos conservadores preferem – nitidamente – uma constituinte comparativa com os vários segmentos da sociedade representados, mas nunca articulados.
Os tecnicistas constituem-se em alguns “figurões” que desejam ir à Assembléia Nacional Constituinte dar sua “contribuição ao País”.
Em geral são advogados que desejam ficar acima dos partidos políticos, flutuando entre as diversas correntes, prestando o relevante serviço como “técnicos do Direito” para melhor elaboração de nossa Constituição. Este grupo, além de reunir “notáveis candidatos à Constituinte, dá uma clara visão do elitismo com que alguns setores vêem o regime democrático. Em tempo: muitos desses “juristas” foram veneráveis figuras da ditadura.
Por último, destacamos a corrente dos que contestam os partidos políticos e o sistema de democracia representativa, propondo outra forma de organização da sociedade. Estes movimentos “suprapartidários”, ou “por fora dos partidos” (ecologistas, feministas, pacifistas, etc.), tiveram grande força na Europa na década de 70. Boicotavam eleições e propunham organizações paralelas, vendo nos partidos políticos a própria infelicidade da sociedade. Embora já superados na Europa ainda encontram algum eco no Brasil.
A eleição da Assembléia Nacional Constituinte, “por fora dos partidos políticos”, será um tiro de morte em todas as agremiações.
É necessário deixar claro que, sem um sistema partidário sólido, não há regime democrático capaz de superar crises e lutas sociais. Somente numa democracia, onde os partidos políticos são instituições necessariamente fortes, é possível termos um regime estável e transformador.
A proposta de candidaturas avulsas não esconde sua origem corporativa, que vê nos partidos políticos o mal da sociedade propondo que os vários setores sejam representados de forma compartimentada, sem projeto geral para a sociedade.
Por outro lado, prevalecendo as candidaturas avulsas, teremos a Constituinte dos ricos para os ricos e pelos ricos. Inútil negar que os partidos políticos, mesmo com seus defeitos, são a forma mais democrática de representação. Hoje, com o amplo sistema de liberdade partidária, não há que se negar a constituí-lo enraizado na sociedade.
Todas as correntes são livres para organizar-se.
Com as candidaturas avulsas chegaremos à Constituinte mais reacionária que o Pais já teve.
(Diário Comércio & Indústria, 16/08/1985)