A INELEGIBILIDADE POR REJEIÇÃO DE CONTAS
Antonio Roque Citadini
A Constituição Federal, em seu artigo 14 (1) dispõe sobre o exercício do voto e lista alguns casos de inelegibilidade. Preferiu, no entanto, o constituinte, deixar a cargo do legislador a tarefa de completar o rol de situações de inelegibilidade( ), o que foi feito, em 1990, por meio da Lei Complementar nº 64.
Naquela lei, houve por bem o legislador incluir entre os diversos casos de inelegibilidade, a rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, desde que em razão de irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente. É o que consta da alínea “g” do inciso I, do artigo 1º daquela Lei Complementar (2).
Importante considerar que o órgão competente ali referido vem a ser o órgão de controle externo, que é o Tribunal de Contas – da União (TCU); dos Estados (TCEs); e dos Municípios (TCMs, caso das capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro).
Quanto à busca do Judiciário, é natural que se tenha o ajuizamento de recursos por aqueles que sejam considerados inelegíveis, pois o fazem apresentando seu inconformismo, na busca de ver modificada sua situação.
O Tribunal Superior Eleitoral após o julgamento de inúmeros daqueles recursos sumulou a matéria, editando, em 1992, sua Sumula nº 1, registrando o entendimento de que a inelegibilidade – com fundamento na letra “g” do inciso I do artigo 1º – ficaria suspensa – desde que, anteriormente à impugnação, fosse proposta ação judicial para desconstituir a decisão que rejeitou as contas.
Tal entendimento da Justiça Eleitoral vigorou até agosto de 2006, tendo a referida Súmula nº 1 o seguinte verbete:
“Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, g)”
Assim, no período entre 1990 e agosto de 2006, bastava o ajuizamento de ação objetivando desconstituir a decisão desfavorável proferida por Tribunal de Contas, para permitir a suspensão da inelegibilidade que tivesse sido decretada com fundamento na alínea “g” do artigo 1º da LC 64/90.
Mudança veio a ocorrer a partir da discussão do Recurso Ordinário nº 912/RR, que teve como relator o Ministro Cesar Asfor Rocha. A discussão foi ampla e com apenas um voto contrário – o do Ministro Arnaldo Versiani -, aquele Excelso Plenário reviu sua posição para só aceitar a suspensão da inelegibilidade nos casos em que se obtenha do Poder Judiciário provimento liminar ou tutela antecipada.
Outros recursos vieram a ser julgados e confirmou-se a nova posição, tanto que na página da Internet, do TSE, a referida Súmula nº 1 aparece com o acréscimo de observação, como se vê:
“Súmula nº 1 – Publicada no DJ de 23, 24 e 25/9/92
Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, g)
Obs.: O Tribunal assentou que a mera propositura da ação anulatória, sem a obtenção de provimento liminar ou tutela antecipada, não suspende a inelegibilidade (Ac.-TSE, de 24.8.2006, no RO nº 912; de 13.9.2006, no RO nº 963; de 29.9.2006, no RO nº 965 e no REspe nº 26.942; e de 16.11.2006, no AgRgRO nº 1.067, dentre outros).”
Este entendimento jurisprudencial adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral é de suma importância, a uma porque despreza a literalidade da lei e aperfeiçoa o espírito da norma; a duas porque prestigia a ação do órgão de controle externo, que fruto de seu trabalho e dentro de sua visão especializada concluiu pela rejeição das contas, após examinar o caso concreto.
Assim, doravante, a pessoa que tenha suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas torna-se inelegível e só terá suspensa tal situação se obtiver do Judiciário provimento liminar ou tutela antecipada. Não basta, portanto, que recorra ao Judiciário. A inelegibilidade perdurará enquanto não houver decisão específica, ainda que provisória, em sede de ação judicial ajuizada para desconstituir a decisão de rejeição das contas.
Importa ressaltar, por fim, que não se trata só da rejeição de contas anuais prestadas pelo Chefe do Executivo (Presidente/Governador/Prefeito) ou por agentes, político ou público, mas, da rejeição de qualquer prestação de contas a que uma pessoa esteja obrigada a fazer em razão de cargo ou função pública que exerça ou tenha exercido.
Por fim, a condição de inelegibilidade se aplicará às eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes, contados a partir da data da decisão do Tribunal de Contas.
(*) Antonio Roque Citadini é Conselheiro decano do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Notas:
1.CF/88 “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante (…)”
2.CF/88, art. 14 (…) “§ 9º Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).”
3.LC 64/90, art. 1, I, (…) “g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão.”