CONTROLE DAS COISAS E RECURSOS PÚBLICOS
Antonio Roque Citadini
A fiscalização dos dinheiros públicos constitui fator preponderante na construção de uma sociedade mais próspera, e democrática, pois é na Democracia que o Poder submete-se às leis. Daí a razão da maioria dos países, considerando as características do Estado Moderno, adotarem, além do Legislativo, instituições voltadas para o controle dos gastos públicos.
No Brasil, embora o Tribunal de Contas esteja presente em todas as Constituições republicanas, precisou sempre lutar muito por maiores condições que lhe permitissem exercer realmente as suas funções. Basta lembrar as discussões havidas em épocas diferentes, sobre se era devida ou não a submissão das autarquias e sociedades de economia mista à prestação de suas contas perante a Corte, e cujo término somente ocorreu com o mandamento legal de que a competência dos Tribunais Contas abrange tais entidades.
Mais importante ainda é que os Tribunais reclamavam há muito tempo que suas funções tinham sido retiradas pela Carta de 67 e a Emenda nº 1/69 (e o foram), e acarretando enormes dificuldades para cumprir sua missão. À título de exemplo, os Tribunais de Contas do Brasil, reunidos em Congresso realizado em 1967, reivindicaram, dentre outras medidas essenciais, impedir a execução de contratos julgados ilegais e poder de impor sanções aos responsáveis por irregularidade da coisa pública.
Pois bem, a Constituição Federal recém-promulgada introduziu modificações substanciais em matéria orçamentária e na fiscalização das contas públicas. Agora, a situação é outra.
O Congresso Nacional recebeu atribuições para legislar sobre assuntos econômicos, ressaltando-se dentre as principais: a) aprovar um plano plurianual de investimento; b) aprovar anualmente diretrizes orçamentárias, espécie de guia para o Executivo elaborar o orçamento; c) alterar o próprio orçamento, criando novas despesas, desde que sejam canceladas outras ou então definidas novas fontes de receita; e d) proibir o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual.
Por outro lado, aproveitando as palavras proferidas pelo Ministro do TCU em 06/10/88, Luciano Brandão Alves de Souza, os Tribunais de Contas tiveram suas competências e atribuições reinscritas no novo texto de forma significantemente ampliada e fortalecida. A fiscalização exercida por eles é mais abrangente e certamente mudará a relação entre administradores e administrados; entre os cidadãos e os governantes.
De acordo com a regra expressamente contida no Artigo 70 da Constituição, a fiscalização do Tribunal de Contas abrangerá novos tipos de aspectos, bem como novas entidades. Serão controlados doravante todos os gastos oriundos dos recursos públicos da Administração direta e indireta, sob o ponto de vista contábil, financeiro, orçamentário, operacional (importante inovação, pois consiste numa avaliação de desempenho da gestão pública) e patrimonial. Observa-se não só a legalidade (questão de direito, ou no dizer do ilustre Professor Caio Tácito, “a observância da lei”), mas também a legitimidade (conceito de direito natural, envolvendo valores, como a moral).
Outra grande inovação é que deve ser também analisado o aspecto da economicidade, cujo conceito abrange a “qualidade ou caráter do que é econômico”, que consome pouco em relação aos serviços prestados”, segundo o famoso Dicionário do Dr. Aurélio Buarque do Hollanda.
Não se trata, pois, apenas de verificar a exatidão das contas e a legitimidade dos atos, mas os novos critérios penetram no mérito: eficácia, eficiência e economicidade.
O conceito de economicidade estabelece uma relação entre custos, benefícios, meios e fins. Segundo a Dra. Gabrielle Teichmann, do Tribunal de Contas da República Federal da Alemanha, onde há alguns anos se faz exame da economicidade, “controla-se para verificar se com os meios dados (envolvimento de pessoal e material) foi obtido o melhor êxito possível ou se um determinado resultado/fim foi obtido com os menores meios possíveis”. Para ela, as reflexões acerca da economicidade deveriam ser feitas por todos os envolvidos em todas as fases do circuito orçamentário, e os Tribunais devem verificar se se procedeu de forma econômica e com parcimônia, se a tarefa poderia ter sido cumprida com menor envolvimento pessoal e material, ou mais eficientemente se tivesse adotado um procedimento diferente.
Devemos ressaltar o trabalho dos constituintes ao fixarem a norma contida no § 1º combinado com o § 2º do 71, visto que, se o Poder Legislativo ou Executivo não efetivar, em 90 dias, a sustação do contrato impugnado pelo Tribunal de Contas, caberá a este então decidir a respeito, terminando-se assim o vergonhoso caso do silêncio ser entendido como oposição ao que foi decidido pelo Tribunal.
Poderíamos abordar ainda outras inovações constitucionais importantes, tais como a do Artigo 71, § 3º (decisões do TC passam a ter eficácia de título executivo) e a do Artigo 130 (efetiva presença do Ministério Público como fiscal da Lei junto ao TC). Na sua maioria elas não são inéditas, mesmo por que estão de acordo com os princípios da “eficiência”; e do “dever/poder”, clássicos no Direito Constitucional e Administrativo Brasileiro, como é a hipótese da economicidade desde 1962, é objeto de atenção por parte do Tribunal de Contas da União no tocante à fiscalização de obras à base de acompanhamento de nível físico-financeiro, e cuja experiência poderá ser de extrema valia para as demais Cortes frente aos dispositivos agora previstos na Constituição.
Portanto, sem embargo de ter permanecido de forma independente como órgão auxiliar do Poder Legislativo, é inegável a valorização dada pela Constituição aos tribunais, que terão o desafio de resolver vários problemas de ordem prática a fim de implantar tais reformas. Os Tribunais de Contas de São Paulo deram início à discussão de questões legais e jurídicas que precisam prosseguir com a coragem e prudência necessárias em razão do texto ser inovador.
Concluindo, a Constituição do Estado de São Paulo deverá seguir as normas estabelecidas na Lei Maior no que se refere aos princípios nesta estabelecidos.
Certamente, os constituintes estaduais enriquecerão o texto com o objetivo de tornar a fiscalização moderna e ágil, alcançando a meta de se ter uma administração com transparência, pois, conforme disse o professor Dalmo de Abreu Dallari, “quanto mais um governo age em segredo, mais longe ele se encontra do ideal democrático”.
Antonio Roque Citadini é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
(O Estado de S. Paulo, 18/12/1988)