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DIFICULDADES NAS COMPRAS PÚBLICAS

DIFICULDADES NAS COMPRAS PÚBLICAS

Antonio Roque Citadini (*)

É sempre difícil comprar bem, sendo forçoso reconhecer que as dificuldades não se restringem à administração pública, mas estão também presentes nas empresas privadas – pequenas ou grandes. É certo que as dificuldades são proporcionais à complexidade da estrutura dos órgãos compradores – sejam estes empresas particulares ou entes do poder público. Quando, porém, se trata de um pequeno negócio, há quem afirme ser muito mais fácil comprar porque o olho do dono se faz presente, decidindo pessoalmente o que é bom para a sua organização. Esta afirmativa, entretanto, sofre uma restrição, porque só se aplica no âmbito do resultado patrimonial, uma vez que se não comprar bem, o dono suportará o prejuízo, já que não tem que prestar contas de sua incorreta decisão.

No caso de compras públicas, cabe lembrar que no Brasil a legislação sobre licitações vem sofrendo nos últimos trinta anos contínuas alterações, e o poder público as tem feito sempre justificando que as compras se tornarão mais ágeis e eficazes, sem prejuízo dos resultados, os quais, em todos os casos devem traduzir-se na aquisição de bens e serviços que atendam às necessidades do Estado.

Como esse objetivo nem sempre tem sido atingido, conclui-se que a fórmula ideal está longe de ser alcançada. A cada etapa de reformulação do texto legal, há sempre os que pregam maior desburocratização da lei. Embora seja, em princípio, uma boa medida, não se pode esquecer que a par do benefício da agilização, a simplificação excessiva dos procedimentos licitatórios pode representar sérios riscos e com piores conseqüências do que aquelas ocasionadas pelos chamados entraves legais e burocráticos instituídos pela Administração Pública para atender à legislação e regular os processos de compras.

Assim como no setor público, há dificuldades também no setor privado, especialmente nas grandes corporações, nas quais o rito interno estabelecido para a aquisição de bens e serviços não foge muito dos modelos adotados pelas modernas empresas e organismos estatais. As regras, nas grandes organizações também são, por vezes, muito rígidas, havendo até o rodízio, nas grandes corporações, dos que ocupam o cargo de “comprador”, em função da dificuldade de se assegurar um procedimento que garanta plenamente a efetivação de boas compras.

Em todos os países democráticos são muito semelhantes os problemas para obter-se uma execução segura nos processos licitatórios promovidos pelos órgãos públicos. Resumem-se na obrigação de se estabelecer procedimentos de compras com regras que assegurem as aquisições atendendo “ao melhor interesse público”. Disto decorre a necessidade de o sistema propiciar às entidades governamentais a realização de negócios de modo eficaz, fazendo-o respeitando os princípios legais e constitucionais, ou seja, da economicidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo (artigo 3º da Lei 8666/93).

Ao contrário das empresas privadas – que mais se utilizam do poder discricionário para seus negócios – o Estado, ao comprar, age de forma vinculada à lei, aplicando, contudo, a discricionariedade só que de forma bem menos abrangente. Além disto, as etapas dos processos licitatórios devem obedecer ao rito formal definido em lei, para melhor garantir a fiscalização dos atos praticados, seja por parte dos interessados diretamente na licitação, seja por parte do público em geral. Esta fiscalização, que é feita em prol do atendimento dos princípios constitucionais e disposições legais, permite a impugnação, a retificação e até a anulação dos atos irregulares, se desatendidos aqueles.

É nesse terreno que atuam os Tribunais de Contas, fiscalizando o cumprimento das regras basilares das contratações. Podem atuar de ofício ou por provocação de licitantes ou de terceiros que se sintam prejudicados.

No início desta década, tentativas foram feitas por outros países, para simplificar os procedimentos das licitações públicas. Tem-se como exemplo os países asiáticos – Malásia e Indonésia -, nos quais se verificou que a experiência não foi bem sucedida. Em nome da simplificação, aqueles governos praticamente aboliram os processos licitatórios, aplicando tal prática até na realização de obras caríssimas e de utilidade discutível, adjudicando a construção a grupos selecionados pelas autoridades. Disso resultou um enorme desperdício de recursos, ensejando a intervenção do Fundo Monetário Internacional em decorrência da insolvência de todas as partes envolvidas (governo, empresas e bancos).

Nota-se que quanto mais fortes e democráticos os Estados em que se estruturam as regras das licitações, maiores e melhores garantias existirão para assegurar a ampla participação de interessados e a boa e legítima aplicação dos recursos – cada vez mais escassos.

Entre os fatores básicos que podem ser incrementados nas compras públicas, destacamos os seguintes:

a) publicidade. A ampla publicidade dos atos praticados antes e durante o processo, traz garantia de maior competição e obtenção do melhor negócio para a Administração Pública;

b) parâmetros de comparação. A utilização de banco de dados, levantamentos estatísticos, estudos setorizados, e outros, permite ter-se fatores de referência, quanto à qualidade, prazos e preços, na área pública e privada, facilitando a análise e decisão nas compras;

c) sistema de registro de preços. Sua maior utilização diminui custos e agiliza, com vantagens, os procedimentos de compras

Conclui-se que comprar bem requer comparação. E a comparação exige cuidado especial porque só estará correta e trará resultados se forem comparados objetos com iguais características. E nisto muito bem agiu o legislador, ao impor na lei de licitações públicas a exigência de projeto básico a ser feito previamente à licitação. Embora a lei exija o projeto básico apenas para obras e serviços, é de todo conveniente que os órgãos da administração, também o privilegiem no que se refere às compras, principalmente em relação àquelas de maior vulto e quantidade.

Ademais, a escolha, pelos órgãos públicos, do melhor caminho para comprar, deve passar por um permanente planejamento de médio e longo prazos, no qual os aspectos de maior vantagem para a Administração devem subordinar-se, sempre, ao prévio estudo de viabilidade econômica e adequação aos orçamentos aprovados.

(*) Antonio Roque Citadini é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e autor de livros, entre os quais “Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas” – ed. Max Limonad, SP.

(Gazeta Mercantil, 26-03-1999)