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LICITAÇÕES “ASIÁTICAS”

LICITAÇÕES “ASIÁTICAS”

Antonio Roque Citadini(*)

A grave crise, em que estão envolvidos os países da Ásia, trouxe à discussão matéria da maior relevância para a Administração Pública, em geral, principalmente no que se refere às suas formas de contratações de serviços e obras.

Nas últimas décadas muitos elogios foram feitos aos Estados asiáticos pelo modo com que os governos locais efetuam suas contratações de obras e serviços públicos. Destacavam-se a rapidez nas decisões, a eficiência, a agilidade na implantação, a forma singela e desburocratizada de decidir, a inexistência de excessos de controles, tudo, enfim, era motivo para elogios às “formas de licitar” da maioria dos países asiáticos.

A partir do modelo japonês, quase nada diferente na Coréia, “aperfeiçoado” na Tailândia, Indonésia etc, os governos eram ágeis ao contratar as obras e serviços. Não ocorriam grandes disputas entre participantes (eram escolhidos “os melhores”), não ocorriam suspensões por medidas judiciais ou administrativas requeridas por “prejudicados”, enfim, nada poderia fazer desconfiar que esse modelo simplificado de contratações, em que o agente administrativo pode tudo, no qual quase não havia disputa entre empresas e onde não havia controles judiciais e administrativos, viria a ser tão duramente questionado pelos organismos financeiros internacionais como um dos grandes fatores que levaram à recente crise asiática.

Sem disputa entre particulares, o Estado passou a ser uma agência, sempre buscando recursos para adjudicar obras e serviços, com contratações a qualquer preço e sem visar atender ao interesse público.

A ausência de “amarras” e “controles”, apontada por dezenas de anos como fator de eficiência e sempre elogiada, é agora mostrada como um fator que levou os Estados a contratar de forma ruinosa, mais buscando atender ao interesse das corporações privadas do que atender às necessidades da sociedade.

Torna-se interessante saber que os organismos internacionais, que no momento socorrem aquelas nações, estão exigindo que tais países passem a ter uma verdadeira lei de licitações, sob a qual as obras e serviços sejam adjudicados a empresas que apresentem proposta mais vantajosa. Exigem, mais, os técnicos do Banco Mundial e do FMI, que o Estado deve ter seus atos sob controle judicial e administrativo, mas sem que se caminhe para uma situação burocrática de entraves e delongas em prejuízo do próprio erário público.

Para nosso país tais acontecimentos são de grande importância em período de reforma do Estado brasileiro, inclusive quanto à lei de licitações.

Não há dúvida que devemos perseguir formas mais singelas de contratar, sem grandes e inúteis amarras legais; mas não nos serve o modelo asiático de licitação – tão elogiado no passado! – que se mostrou desastroso. Grupos privilegiados – em quase todos os países – servem-se do Estado para obter contratos públicos sem qualquer preocupação com custos e até sem se preocupar com a finalidade pública. Ou seja, um grande número de contratações nascidas mais por necessidade do “caixa” das empresas do que por qualquer real necessidade pública.

O projeto de reforma da lei de licitações, divulgado em 1996, pelo Ministro Bresser Pereira – e, em boa hora, esquecido – não indica um caminho adequado para a mudança de legislação de contratações de obras e serviços públicos.

É preciso manter os pontos positivos da atual lei – e são muitos – e avançar no sentido de modernizá-la, orientando-se em experiências bem sucedidas na Europa e EUA.

Poderia, o Ministro Bresser, adotar as sugestões que vêm sendo encaminhadas sem sucessos por especialistas da área administrativa (juristas e administradores), cabendo citar apenas um exemplo – de grande impacto para a melhoria dos contratos – que seria a inversão da forma de julgamento. Na primeira fase o administrador escolhe e classifica as propostas mais vantajosas. Num segundo momento, já com a empresa vencedora, esta, e somente esta, deveria comprovar sua habilitação para a execução do contrato. Com esta medida, como afirma o Prof. Jessé Torres Pereira Júnior, no que é acompanhado por alguns outros juristas, estaria eliminada toda a discussão que ocorre na fase de habilitação, com uma empresa tentando impugnar outra, com perda de tempo, prejudicial para a Administração Pública e para a sociedade em geral.

Somente aquele que vencer na primeira fase terá seus documentos de habilitação apresentados e conferidos na segunda. Isto representaria um grande avanço na lei de licitações, sem trilharmos o caminho asiático, que, como dito acima, se revelou desastroso e não pode mais ser defendido por aqueles que propunham a sua adoção em nosso país.

(*) ANTONIO ROQUE CITADINI é Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas do Estado e autor dos recentes livros “Comentários e Jurisprudência Sobre a Lei de Licitações Públicas” e “Controle Externo da Administração Pública”, ambos da Ed. Max Limonad.

(Gazeta Mercantil, 11-03-1998, p. A-2)