O FUTURO INTERROMPIDO
Antonio Roque Citadini e Wallace de Oliveira Guirelli
Há décadas que se ouve falar que o Brasil é o “país do futuro”. Exceto em alguns períodos em que o País se aproximou do desenvolvimento sempre sonhado, mas quase sempre adiado para o futuro, continuamos naquela expectativa do “eu confio no futuro do Brasil”.
Tem sido um erro, porque o futuro é que tem que confiar em nós! O futuro das gerações que hão de vir depende do que fizeram as gerações atuais, principalmente os sucessivos governos.
Especialmente em matéria de investimentos em educação, saúde, agricultura, infraestrutura e segurança, esta compreendendo tanto a segurança interna quanto a externa.
É pública e notória, nos últimos anos, a falta de investimentos governamentais – leia-se do Governo Federal – em setores vitais do País.
Não bastasse, por exemplo, a submissão às imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI), que, para impedir aos países que recorrem ao Fundo, melhorassem o saneamento básico para suas populações, considerava investimentos, nesse setor, como valores não computáveis para a base de cálculo – e obtenção – do superávit primário, destinado ao pagamento de juros da dívida externa! E assim condenavam-se populações, já carentes de outros serviços públicos, ao não atendimento fundamental na área de saúde, sobrevivência, e sadia qualidade de vida, como preconizam Declarações, Acordos e Protocolos Internacionais.
O FMI limitava o acesso a recursos para saneamento apenas às empresas privadas, deixando as companhias públicas, que constituem uma grande maioria do setor no país, “estranguladas” e sem possibilidade de melhorias nos serviços de tratamento de águas e esgotos.
A formação do superávit primário exigia, ainda, muito mais cortes de despesas em tantas outras rubricas, gerando crescimento pífio, expresso no descrente e preocupante PIB nacional, destes dois últimos governos (sempre alardeado para melhorar no ano futuro!).
Assim, o País via, sucessivamente, interrompido o seu futuro. E comprometido.
Recentemente, foi o País abalado pela tragédia que desencadeou um processo de conscientização para o descalabro a que fora conduzido o Brasil.
A dramática situação revelada pela crise do controle do espaço aéreo nacional, fez aparecer toda a errônea política governamental federal de contingenciamento de recursos orçamentários para – não bastassem as outras – tão relevante e estratégica área de desenvolvimento e segurança do País.
Confirmação desta situação foi feita nos últimos dias, pelo Ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, relatando auditoria e concluindo por atribuir responsabilidade ao Governo Federal pelo “apagão aéreo”, por ter determinado contingenciamento linear de recursos, prejudicando a operação, manutenção e desenvolvimento do sistema de controle do espaço aéreo brasileiro, deixando de repassar valores da ordem de R$523 milhões provenientes das tarifas do setor, além de “não haver aporte de recursos ordinários do Tesouro”.
Generalizando, o exemplo leva a propor que se pense em encontrar uma solução definitiva para o problema grave da falta de infraestrutura, equipamentos, atualização, modernização e tecnologia em todas as áreas das Forças Armadas.
Tornou-se evidente e inegável que o Brasil precisa de um programa de longo prazo, com recursos determinados e permanentes, que não sofram alterações súbitas por mudanças macroeconômicas – ou por plataformas governamentais de um mandato para outro, ou, ainda, por razões ideológicas, que pudessem contingenciar, represar, ou até mesmo negar recursos para investimentos estruturais de que as Forças Armadas necessitam, num mundo em que o poder suasório e decisório de potências hegemônicas é fruto não só do poder econômico mas do poder militar que alcançaram, detêm, exibem e muitas vezes empregam!
Acrescente-se que, nos últimos tempos, em países vizinhos, têm havido investimentos maciços para equipar, modernizar e ampliar este segmento tão importante para a independência e soberania nacionais. Cite-se, como exemplo, a Venezuela que, além de estar negociando a compra de submarinos e blindados anfíbios, já começou a receber fuzis automáticos Kalashinikov, parte de uma grande aquisição de 100.000 unidades, além de iniciar as instalações da fábrica desse armamento no País, adquirindo ainda 53 helicópteros russos, bem como, neste mês, recebendo os dois primeiros de um lote de 24 moderníssimos aviões de caça Sukhoi-30 MK-2 da Rússia, lamentavelmente superando em larga escala as condições da Força Aérea Brasileira e de outras nações sul-americanas.
A anunciada compra pelo Brasil de helicópteros russos, conquanto seja uma necessária solução ela é pontual e não obedece a um programa permanente.
A FAB viu caducar deliberadamente, após quatro anos de protelações, a licitação internacional que se destinaria à aquisição de novos aviões, para substituir a frota de caças que, a partir de janeiro deste ano, atingida a vida útil limite, não mais poderiam voar. Como, efetivamente, deixaram de voar, desguarnecendo a defesa aérea do território nacional. E o mecanismo foi exatamente a não liberação de recursos, ainda que os dois governos conhecessem todos os dados da questão. A solução de emergência, para não desguarnecer totalmente a defesa aérea nacional, foi a aquisição de doze antigos Mirages revitalizados, cuja entrega nem começou e será escalonada em alguns anos. Enquanto isso, na Venezuela…
E quanto ao Brasil?
Os programas estratégicos para fins pacíficos e de defesa da Marinha arrastam-se há quase duas décadas por falta de locação de verbas. Ao mesmo tempo, países que não têm as dimensões, a importância e potencialidades brasileiras, mas tem agressividade, já dominam a tecnologia e todo ciclo nuclear até mesmo para artefatos explosivos.
Logo estaremos completamente defasados.
Na Aeronáutica brasileira, o programa do Veículo Lançador de Satélites teve seus dois primeiros foguetes destruídos logo após o lançamento, e, em relação à terceira tentativa, tivemos a lamentável explosão, em 2003, do foguete, da torre de lançamento e a morte de 21 engenheiros e técnicos do mais alto nível. Não bastasse o mundo hegemônico não desejar o nosso progresso científico e tecnológico e que o Brasil venha a ter o seu próprio satélite de telecomunicações, além dos problemas de verbas para vários setores fundamentais brasileiros, também não são destinados recursos suficientes para superar esses atrasos.
Oxalá nada mais ocorra contra o programa espacial brasileiro, e o quarto foguete consiga colocar em órbita o tão aguardado (por nós!) e necessário satélite de telecomunicações – como seu similar meteorológico, que o “mau tempo” não conseguiu impedir.
É incontestável a importância para a Nação que exercem Exército, Marinha e Aeronáutica. O Brasil é um País de grande extensão, com áreas acessíveis apenas às Forças, privá-las de recursos continuados para que possam desenvolver e manter ininterruptamente seus programas e impedi-las de se equipar com satélites, computadores, sistemas, navios e armas é desassistir o Brasil e ignorar que temos problemas estratégicos e geopolíticos que só essas Forças podem prevenir e resolver.
Não podemos assistir de forma passiva, sempre, o envelhecimento de equipamentos e recursos técnicos das forças nacionais e igualmente não podemos eleger programas apenas quando surgem problemas como o recente do controle aéreo.
É preciso pensar e planejar a curto, médio e longo prazo quanto ao atendimento das necessidades de equipamentos, manutenção, planos, treinamento, instalações, softwares, não se podendo atuar socorrendo uma ou outra área quando sucateada e quando catástrofes se abatem sobre o país.
Por isso, necessário se faz criar fontes de verbas permanentes, como royalties de nossos recursos naturais, petróleo, minérios, vinculados aos gastos desta sistemática de modernização.
Lembre-se que o Exército não pôde implementar totalmente até hoje o projeto “CALHA NORTE”, de melhor ocupação para despesa da cobiçada Amazônia, nem desenvolver plenamente os “Programas Força Terrestre”.
E que dizer da então excelente indústria bélica nacional, que além da inveja, pressões e boicote por parte de nações mais desenvolvidas, ainda custou com a “estranguladora” falta de recursos orçamentários ou extraordinários, a ponto de a IMBEL estar sobrevivendo a duras penas?!
Como superar o sempre ocorrente problema da insuficiente dotação de verbas orçamentárias para as Forças Armadas, e, pior ainda, o contingenciamento (ou seja, a não-liberação) desses já parcos recursos?
Há duas soluções para resolver no Brasil o problema da falta de recursos para as Forças Armadas.
A primeira diz respeito aos chamados “royalties” do petróleo, na verdade referentes ao óleo, xisto betuminoso e gás natural, indenização percentual, que é paga pela PETROBRAS sobre o valor dos produtos extraídos no território ou plataforma continental respectiva, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, desde as leis 2.004/53, 7.453/85, 7.525/86, até os artigos 47 a 49 da atual Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (que dispõe sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo), como compensação financeira pelo resultado da exploração, e incidente sobre o valor do faturamento líqüido resultante da venda do produto mineral.
É perfeitamente viável, vital e patriótica a participação das Forças Armadas no produto da arrecadação desses “royalties do petróleo”, podendo-se estabelecer um sistema escalonado, iniciando-se com 20% e elevando-se, trienalmente, a 30, 40 até 50% daqueles valores.
A favor dessa proposta, bastaria lembrar que a PETROBRÁS é uma empresa que nasceu, consolidou-se, desenvolveu-se e sobrevive estatal com total apoio das Forças Armadas, principalmente do Exército Brasileiro, ao contrário de empresas petrolíferas públicas de outros países, que não nasceram do clamor popular e apoio das forças armadas, e que foram facilmente privatizadas.
A segunda, é seguir o exemplo do Chile, na política da exploração da sua grande extração do minério de cobre, quer pela estatal CODELCO, quer pelas mineradoras privadas.
A chamada “Lei Reservada do Cobre”, de 1989, determinou que 10% das vendas de cobre pela CODELCO se destine às Forças Armadas. E além dos 17% que as mineradoras, como qualquer empresa privada, pagam de impostos, em janeiro de 2006 a Lei nº 20.026 estabeleceu a cobrança de royalties de empresas privadas que exploram recursos naturais esgotáveis daquele país (de 0,5% a 5% sobre o faturamento das mineradoras de médio e grande porte).
Assim, também em relação aos minérios esgotáveis do Brasil, principalmente o de ferro, podem ser instituídos royalties a serem destinados obrigatoriamente ao reequipamento, aperfeiçoamento, pesquisas e desenvolvimento das Forças Armadas brasileiras, cuja existência, presença e atuação sobre o território nacional garantem nossa soberania sobre os recursos minerais do País.
A fixação dessa participação, sob a forma de royalties, ou outra cabível, poderá ser objeto de Emenda Constitucional ou de Lei, estabelecendo-se, até mesmo, o caráter de crime de responsabilidade em caso de protelação ou não repasse desses recursos às Forças Armadas.
Não se pode mais interromper o futuro!
São atuais e proféticas as palavras com que Sir Winston Churchill advertia os ingleses em 1936. Continuam cada vez mais atuais e se aplicam perfeitamente à problemática da falta de investimentos orçamentários, que têm sido a tônica da política governamental brasileira nas recentes décadas:
“A era da procrastinação, das meias medidas, dos expedientes que acalmam e confundem, a era dos adiamentos está chegando ao fim. No seu lugar, estamos entrando na era das consequências” (citado por Al Gore no livro “Uma Verdade Inconveniente: o que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global”, recentemente traduzido no Brasil).
Antonio Roque Citadini, Conselheiro e presidente eleito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, e Wallace de Oliveira Guirelli, Procurador aposentado do TCE-SP.
(Diário Comércio Indústria & Serviços, DCI, 20 e 21-12-2006, p.A-2)