Categorias
Artigos

O PLANO REAL E AS REPACTUAÇÕES CONTRATUAIS

O PLANO REAL E AS REPACTUAÇÕES CONTRATUAIS

Antonio Roque Citadini

Durante muitas décadas conviveu o Brasil com períodos de grande inflação, o que ensejou, da parte do Governo, a adoção de alguns planos econômicos numa tentativa de estabilizar a economia. Esta situação não ocorreu somente no Brasil, mas também em outros países da América Latina.

Tem-se a lamentar que vários dos planos anteriores fracassaram, tendo, em conseqüência, sido retomada a inflação, e em alguns momentos com tanta força que se elevou a níveis de hiper-inflação, trazendo enormes dificuldades, tanto para o setor privado como para o setor público.

Os problemas surgidos na área privada sempre tiveram solução própria dada pelas partes interessadas. Já no setor público, as dúvidas acabavam originando demandas judiciais, com resultados, geralmente demorados, o que, via de regra, implicava em prejuízo para aquele setor.

A implantação do Plano Real contou com a experiência vivida pelo Governo com o insucesso dos anteriores, o que, possibilitou uma visão diferente, não teve, assim, índices de deflação, expurgados pelas tablitas com suas desastrosas implicações na aplicação prática.

Importante registrar que o Plano Real – que se iniciou com a criação da URV (Unidade Real de Valor), e depois com a mudança da moeda que passou à se chamar Real – representou alterações fundamentais no sistema econômico e o sucesso que até agora vem apresentando traz maior responsabilidade para a Administração na repactuação dos contratos assinados anteriormente. Lembre-se que a economia brasileira convivia com índices inflacionários insuportáveis até o ano de 1994 e a nova moeda entrou em circulação no País com a determinação de que fossem revistos todos os pactos financeiros vigentes até então, com o objetivo de eliminar os vícios característicos da inflação.

Entre outras regras, estabeleceu a lei que os reajustamentos tinham, obrigatoriamente, de ser anuais. Isto para alguns setores talvez tenha sido fácil, enquanto para outros, dependentes da lei da oferta e da procura, o mercado se encarregaria de acomodar as situações concretas. Mas, para os Tribunais de Contas, importante se mostra verificar o atendimento à legislação.

Assim, as chamadas “revisões” ou “repactuações” necessariamente devem sempre assegurar a mesma base contratada dos compromissos s assumidos nas épocas de cruzeiro, cruzado, cruzeiro novo etc, tão somente expurgando-se a expectativa inflacionária que explícita ou implicitamente tenha feito parte do preço ajustado. Tal expurgo, sim, é o que determina o diploma legal e sua razão é compreensível, por se tratar de elemento essencial para o sucesso do novo plano econômico. Portanto, o novo valor encontrado deve ser, na nova moeda , o real – exatamente o correspondente ao contratado originariamente, feito apenas o expurgo mencionado, não podendo, fora disto, sofrer alteração.

A repactuação, assim, só trata de transformar a moeda, tendo-se que ter em real, o valor equivalente ao da moeda de contratação (feito como dito, o expurgo inflacionário). Por tal razão, não se pode querer aproveitar o momento da repactuação para promover modificações no valor do contrato, embutindo-se, por exemplo, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Não podem, jamais, trazer em seu bojo conclusões dissonantes da correta interpretação jurídica dos textos de lei que se admite terem sido escritos por economistas.

Conhecidas as regras, deveria a Administração, em uma primeira tentativa, buscar a formalização amigável do aditivo que adaptasse os contratos vigentes ao novo Plano Econômico, partindo, se houvesse desacordo, para uma alteração unilateral, impositiva.

No caso das contratações efetuadas no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, o procedimento da conversão da moeda se via agravado pela vigência de normas peculiares que dispunham sobre reajustes de preços e correção monetária por atraso de pagamento. Tais normas regulavam a maioria dos editais, base de elaboração das propostas contratadas, das quais se originaram os preços, objeto de repactuação.

Desta forma, dentre os mais relevantes comandos do Plano Real, ganhavam destaque a “redução pro rata tempore” e o “expurgo inflacionário”. Ambos tinham relação direta com a legislação estadual em destaque. Enquanto se dispensava a aplicação da “redução pro rata” para contratos com reajustes plenos, porque vinculados ao índice apurado no último dia do período de execução contratual (índice pleno), exigia-se o “expurgo inflacionário” por estar embutida nos preços a expectativa inflacionária do período compreendido entre a medição dos serviços e o efetivo pagamento dos mesmos.

Alguns órgãos do Governo do Estado – por exemplo o DER – Departamento de Estradas de Rodagem – não seguiram o critério que a lei determinou para a repactuação dos contratos e as dificuldades se fizeram sentir nos primeiros aditivos submetidos ao Tribunal de Contas do Estado que não os aprovou. Devido a isso, a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria Geral do Estado produziram Resolução Conjunta n° 02, de 5110195, ditando normas claras para orientar a ação dos diversos setores da Administração, quanto á maneira correta de proceder à repactuação. Ainda assim, e passados já quase quatro anos da implantação das novas regras econômicas no País, a questão não está definitivamente resolvida pela Administração – apesar de outras medidas elucidadoras que adotou para seus órgãos -, havendo pendências de setores do Governo com contratantes, com os quais devem estar sendo feitas tentativas de acordo, em virtude de centenas de termos aditivos de repactuação terem sido celebrados em desacordo com as normas.

Diversas irregularidades que impediram o Tribunal de contas de julgar a regularidade dos aditivos de conversão da moeda já foram resolvidas pela Administração, tendo-se ainda uma questão pendente que é a do expurgo da expectativa inflacionária. Era comum aos fornecedores embutirem tal expectativa relativamente ao período de carência entre o cumprimento da obrigação e seu vencimento, e, em alguns casos, também do período verificado entre o vencimento da obrigação e seu efetivo pagamento, independentemente da previsão de correção monetária por atraso do pagamento.

Para aceitar-se que não se exclua a expectativa inflacionária, faz-se necessária a comprovação de efetivamente não ter havido sua inclusão nos prelos, uma vez que, segundo a legislação que rege o Plano Real, presume-se embutida aquela expectativa nos preços, independentemente de previsão constante no edital.

Importante deixar, claro que o Tribunal de Contas, no desempenho de suas competências constitucionais busca a proteção do erário, e, compreendendo a complexidade da legislação em vigor, tem se mostrado sempre pronto a orientar os órgãos jurisdicionados, procurando, assim, que haja a correta aplicação da legislação, só exercendo seu papel punitivo nas situações em que o órgão resista em mostrar a correta aplicação das normas legais.

Da experiência obtida nos casos submetidos a julgamento é possível concluir-se pelo acerto das decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, concretizadas no resultado de enorme economia para os cofres públicos, considerando que se tratam de contratos com reflexos futuros para os quais a base dos preços é de toda importância, dada a repercussão permanente de seus valores.

Cabe registrar, ainda, que a firme ação do Tribunal de Contas junto os diversos órgãos foi compreendida pelo Governo e resultou numa diminuição do valor da dívida do Estado – antes anunciada em torno de 4 bilhões de reais, para menos de 2 bilhões. Vê-se nesse resultado a grande economia proporcionada aos cofres estaduais.

* Antonio Roque Citadini – Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e autor dos recentes livros “O Controle Externo da Administração Pública” e “Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas”, Ed. Max Limonad.

(Diário Comércio & Indústria, DCI, 14-04-98, P.4; E 15-04-98, P.4)