PALESTRA PROFERIDA NO ENCONTRO DE AGENTES POLÍTICOS DA REGIÃO DE PRESIDENTE PRUDENTE, EM 4 DE DEZEMBRO DE 1998, PELO DR. ANTONIO ROQUE CITADINI, PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
É farto o noticiário dos jornais dando conta da situação precária dos municípios brasileiros. Ainda na semana passada, um jornal de grande circulação nacional publicou que, no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1996, dos 80 municípios fluminenses, somente 14 apresentaram superávits primário. Nossos técnicos auditores, de 1995 a 1997, identificaram que, na média, o índice dos municípios paulistas com déficit orçamentário acima de 10% subiu de 38% para 48%.
Longe de nós a intenção de ser portadores de mau agouro. Mas, quando se depara com uma situação de adversidade e se queda silente, a omissão do homem público é inaceitável e até criminosa. Por isso, nesses encontros que temos promovido durante este ano junto a nossas unidades regionais, temos trazido uma palavra de reflexão e advertência, ao invés dos chavões e lugares comuns que nada agregam num momento de dificuldades como este que atravessamos.
O TCE tem-se empenhado para que a Administração Municipal busque adequar as suas receitas e suas despesas, o quer dizer que deve ter como preocupação buscar o equilíbrio orçamentário. Sei que esta posição é tida como um pouco conservadora. Há aqueles que, inclusive, defendem a idéia de que gerar déficit pode até ser favorável para a gestão pública.
Na verdade, a meta deve ser: administrar o equilíbrio. Para tanto, temos dito aos municípios que eles precisam ter impostos garantidos na Constituição, mas é preciso cobrá-los. E isto é de grande impopularidade, tanto que ao terminar o encontro que tivemos em São José dos Campos, um prefeito me disse: “O Senhor fala isso porque o senhor não é candidato”. E é verdade, eu não sou candidato mesmo, pois espero permanecer um longo período no Tribunal, até me aposentar.
E isto permite-me dizer que é preciso não só ter receita, previsão de tributo, mas, uma receita que cobre o tributo, que não perdoe, que não isente, que não esqueça do tributo, porque é profundamente injusto socialmente perdoar, isentar, esquecer do tributo. Certamente nas comunidades, nos municípios, quem mais se beneficia desses perdões, dessas isenções, desses esquecimentos, é quem mais pode, quem tem poder de fazer lobby, poder de chegar até as administrações para negociar. Esse tipo de isenção acaba sendo uma punição para quem pagou, na medida em que só os grandes conseguem o milagre do “não pagar”.
Portanto, a primeira coisa com que os municípios tem de se preocupar é com sua Receita. Congratulo-me e defendo a idéia de que os municípios tem que ter autonomia, principalmente autonomia de recursos. Mas, para ter autonomia de recursos ele não pode querer ser município apenas de repasse de fundos federais, precisa ser município que se preocupe em gerar receitas e arrecadar
seus impostos.
É certo que quem mais fala disso não dá um bom exemplo. O governo federal é um péssimo exemplo para isso. Embora tanto fale em austeridade fiscal, austeridade monetária, austeridade orçamentária, pouco tem a ensinar. Se olharmos as contas públicas nos últimos anos, veremos o que não deve ser feito: ‘acreditar que se pode conviver com déficits elevados, que se conseguirá sempre financiar esses déficits através de empréstimos, que se encontrará sempre uma mão em outra instituição para cobrir o buraco do Caixa. E isso é como acreditar que se vai viver sempre do cheque especial. O banco não quebra, você quebra.
Nós do Tribunal de Contas temos aprofundado a qualidade de nossos pareceres nas contas municipais. Quem acompanha a fiscalização dos municípios – e aqui estamos com gente não só do Tribunal, mas também com representantes dos poderes municipais constituídos – deve ter percebido o quinto se ampliou a qualidade do nosso trabalho na área municipal.
O primeiro ponto, que estou acabando de ressaltar, diz respeito ao déficit orçamentário. Era um assunto sobre o qual poucos falavam até bem pouco tempo atrás. Hoje, é o primeiro item dos relatórios de auditoria, e ele será decisivo para a emissão do parecer favorável ou desfavorável das contas municipais.
Atualmente, está na moda falar-se de déficit orçamentário, mas daqui a pouco cairá no esquecimento. Mas o Tribunal de Contas do Estado vai continuar a falar disso, porque estamos convencidos de que é um fator relevante para a administração pública.
Mas os nossos pareceres não tem tratado apenas disso. O déficit é importante, ele dá uma visão geral do administrador, mas também temos tratado de forma corajosa da Reforma do Ensino, das questões educacionais. Os Srs. Prefeitos e os Srs. Administradores municipais devem se recordar de que o Tribunal antecipou-se à implantação dessa reforma.
Fizemos uma Instrução, e correndo o risco de quem sai na frente, nos antecipamos, porque achávamos necessário e entendíamos que a reforma educacional produziria um grande corte na administração pública, tanto que depois de feita surpreenderam-se os administradores federais, estaduais e municipais, e os próprios legisladores.
Além da questão da Educação e do Déficit Orçamentário, estamos nos deparando com outras questões novas, que estão influindo em nossos pareceres de contas municipais. Um deles é a questão da Previdência dos Municípios. Foi possível criar fundos, alguns estão funcionando bem, outros não. O Tribunal tem sinalizado com acha que eles devem funcionar. Agora, imagino que, com as mudanças que estão ocorrendo na Previdência, esse quadro venha novamente a se alterar e nós estamos atentos para rediscutir essas questões, nesse mar revolto de permanentes reformas.
Iludem-se os que acham que é positivo essa seqüência infindável de reformas. Estamos quase num estado revolucionário de reformas. Termina, começa, termina, começa. Isto é grave porque simplesmente nesse clima tudo é possível. A partir da obtenção da maioria parlamentar, tudo pode ser mudado, mas não se pode esquecer que a maioria parlamentar hoje pode ser minoria amanhã,
e os que hoje estão sem poder de contestação no ‘futuro estarão embuídos também do espírito de mudar tudo. Este não é o melhor caminho.
Eu não tenho dúvidas de que a Constituição de 88 necessitava de algumas revisões, o que era natural após dez anos de sua promulgação. Mas a idéia de que ela é uma constituição mim é que engessa o país. Particularmente, como cidadão, eu lamento que a sociedade não esteja convencida de que as mudanças abruptas e as rupturas freqüentes impeçam de fazer a Carta Magna um instrumento permanente, assegurando a estabilidade de suas normas fundamentais, voltadas para a eliminação das diferenças sociais e para a melhoria da qualidade do serviço público.
E foi justamente por ter permitido a descentralização do poder, com a redistribuição dos recursos públicos, que a Constituição de 88 tem sido criticada, principalmente pelos que se ressentem da perda do poder centralizado, quando o Ministério da Fazenda ditava as regras. Quem foi prefeito em épocas passadas deve se lembrar não com muita saudade das idas e vindas a Brasília com o pires na mão.
Agora que a Carta Magna está sendo reformada, todas as propostas de reformulação do sistema tributário consideram a tese da centralização dos recursos novamente no governo central.
No roteiro da proposta de reforma tributaria apresentada ao Congresso, no último dia 26, o governo admitiu a possibilidade de ocorrerem perdas na arrecadação dos estados e municípios. Tanto é que o Ministério da Fazenda aceita compensar integralmente essas diferenças durante os quatro primeiros anos, com a calibragem da arrecadação dos principais tributos sobre o consumo que, excepcionalmente, perderiam a rigidez do princípio constitucional da anualidade, no primeiro ano da instituição da reforma. Para os oito anos seguintes, propõe cobrir parcialmente os prejuízos por meio de um fundo de equalização, composto com alíquotas adicionais dos tributos sobre consumo. Com isso, o governo espera reduzir a oposição dos governos estaduais e municipais à reforma.
A idéia de o município viver predominantemente com recursos federais é o princípio do fim, é o fim. Acho mesmo que os municípios deveriam ter outras receitas. Entendo, por exemplo, injusta a distribuição do IPVA como é feita, pois os municípios acabam ficando com o maior encargo pelo uso das ruas, e o percentual de distribuição aos Estados poderia ser revisto.
Por outro lado, poder-se-ia pensar em atenuar essa guerra fiscal das isenções, na qual, no fundo, ninguém lucra. Além disso, temos reiteradamente ressaltado algumas providências que podem ser tomadas no sentido da ampliação da receita municipal. Entre elas, destacamos:
– IPTU: atualização do cadastro imobiliário e da planta genérica de valores, com a revisão das isenções;
– ISS: utilização do regime de estimativa, fiscalização mais efetiva, adoção de alíquotas diferenciadas para os vários tipos de serviço, atualização do cadastro imobiliário;
– Taxas: revisão de valores, de modo a cobrir o real custo dos serviços municipais;
– Contribuição de Melhoria: instituição deste tributo especialmente para as faixas mais abastadas ;
– Dívida Ativa: intensificação da cobrança amigável, através da anexação dos débitos nas canelas dos impostos lançados, parcelamentos, descontos, chamadas para negociação, etc.
Por outro lado, outras medidas poderiam ser executadas, tendo em
conta a redução da despesa orçamentária, como:
– Realização de meticuloso planejamento de caixa, de modo a evitar despesas adiáveis e os custosos empréstimos de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) ;
– Renegociação de contratos em andamento, de sorte a reduzir preços e quantidades;
– Efetivação de rigorosas pesquisas prévias de preços, como forma de baratear licitações e compras diretas e poupar o Municípios dos eventuais riscos de cartelização de fornecedores e
empreiteiros;
– Remanejamento de pessoal, freando novas admissões ;
– Revisão dos salários elevados, que podem estar acumulando vantagens indevidas;
– Fixação de padrões de consumo de materiais, o que evita desperdícios. .
Em resumo, tudo deve ser feito para fortalecer a capacidade de gerar, arrecadar e aplicar os recursos no âmbito municipal e isso não pode ser conseguido com municípios quebrados, mal administrados, com déficits elevados, pois, ao contrário, estaria sendo fornecida ampla munição para aqueles que querem nossas comunas enfraquecidas e dependentes do Poder Central.
A melhor maneira de se evitar que isso ocorra, repetimos, é com gestão equilibrada, gerando receitas, gastando moderadamente. Por isso o empenho do Tribunal em melhorar a qualidade da auditoria.
Queremos que esse nosso progresso reflita no progresso das administrações municipais, tanto é que nossos pareceres têm sido ampliados, incentivando os administradores a correrem atrás da
eficácia. Nesse sentido, temos recomendado a todos que criem seus órgãos de controle interno, o que é uma condição prevista, aliás, na Constituição.
Para finalizar, gostaria de reiterar os agradecimentos aos senhores que pacientemente me ouviram, esperando que este encontro seja extremamente positivo para que os problemas que atingem os municípios possam ser resolvidos ou pelo menos atenuados, no que diga respeito à função do Tribunal de Contas do Estado, tendo em vista os aspectos estruturais e conjunturais extremamente graves que atingem as relações de fiscalizadores e fiscalizados, que devem ter como objetivo maior o progresso e o bem do Brasil.
Muito obrigado.