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O DIREITO DE VOTO AO ANALFABETO

Antonio Roque Citadini

A comissão interpartidária que estuda as mudanças na legislação eleitoral tornou público o primeiro lote de modificações que será proposto para discussão no Congresso Nacional, trazendo algumas questões extremamente importantespara o sistema eleitoral brasileiro.

Dentre as modificações propostas, algumas tímidas, destaque-se o direito de voto ao analfabeto, questão que sempre é fruto de intensa polêmica entre políticos e juristas. Pela proposta da comissão inter-partidária, o analfabeto, além de votar, poderá candidatar-se à Câmara Municipal, enquanto cabos e soldados das polícias militares também terão direito a voto.

De todos os casos previstos em nossa atual legislação, o mais discutido caso de inalistáveis é o dos analfabetos. votavam no Império (onde o critério de alistamento eleitoral era econômico) e foram excluídos pela legislação eleitoral da República.

Os defensores da manutenção do voto ao alistamento dos analfabetos sustentam que a pessoa que não sabe ler e escrever não está apta a escolher seus dirigentes, constituindo-se em frágil “massa” a ser manobrada pelos mais letrados. Assinalam, ainda, que permitir o direito de votar seria um estímulo ao analfabetismo.

O ex-ministro Carlos Maximiliano sintetizava a posição dos defensores do voto somente à elite alfabetizada, afirmando que faltava ao analfabeto “o meio de acompanhar atentamente a marcha dos negócios públicos e até o de verificar a exatidão da cédula fornecida por outra pessoa e por ele deposta na urna eleitoral”. O eminente jurista indicava o caminho a ser trilhado pelos analfabetos: “Procure ele os mestres, freqüente escolas gratuitas e terá adquirido a plenitude dos direitos do cidadão”. (Comentários à CF de 1946, pág. 22).

Como Carlos Maximiliano, o ex-presidente do TSE, Edgard Costa, também defende a exclusão dos analfabetos do processo eleitoral,lembrando que este preceito “não contraria o do sufrágio universal… porque esta expressão não deve ser traduzida ao pé da letra, mas entendida como excludente de condições relativas à fortuna, profissão, sexo, posição ou classe social”. (A Legislação Eleitoral Brasileira, pág. 301).

Contrapondo-se a essa visão elitista, que apregoa uma democracia dos preparados, conceituados juristas têm ao longo dos anos contestado largamente o atual veto ao alistamento do analfabeto.

Gomes Neto classifica a exclusão dos analfabetos do quadro de eleitores como “absurda e berrantemente injustificável”. (Teoria e Prática do Código Eleitoral Vigente, pág. 37).

O deputado e professor de Direito Constitucional Ulysses Guimarães, em 1975, apresentou notável contribuição aos defensores do voto do analfabeto em sua proposta “Reforma com Democracia”, onde defendeu a instituição do que chamou de “voto igual”. “Voto igual para todos, expulsos os privilégios. Igual para o homem e a mulher, para o brasileiro nato e o naturalizado, para o empregador e o empregado, para o branco, amarelo e o preto, para o religioso e o agnóstico. Igual inclusive para o alfabetizado e o analfabeto.”

O eminente jurista de formação conservadora, prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, também defende o direito ao alistamento de todos dizendo que “o analfabetismo é antes de mais nada fruto de uma situação social e econômica contra a qual a vontade do indivíduo isolado não pode muito”. Acrescenta o renomado professor que a difusão do rádio e da televisão puseram a informação ao alcance do analfabeto. (Comentários. A Constituição Brasileira, pág. 557/558).

Parece-nos que a matriz do pensamento dos que advogam a permanência da exclusão do analfabeto do processo eleitoral é a de acreditar-se que o Pais deva ser governado por uma elite, preparada e culta, a qual estaria à frente da gestão dos negócios públicos.

A proposta da comissão interpartidária constituiu-se em notável avanço que terminará com a exclusão de milhões de brasileiros do processo político e será um marco no processo de democratização do País.

Ainda que seja restrita, pois mantém alguns vetos ao analfabeto, a medida pruposta pela comissão de congressistas é – provavelmente – a maior contribuição que a Nova República dá para o avanço democrático da sociedade brasileira.

(Diário Comércio & Indústria, 22/4/1985)