Antonio Roque Citadini
A possibilidade real de o País ter no próximo ano uma Assembléia Constituinte que reordenará todo o sistema constitucional brasileiro vem propiciando uma série de discussões – antes meramente circunscrita aos estudiosos – sobre as mudanças necessárias para um aprofundamento no processo de democratização da sociedade.
Não há mais dúvida de que as piores partes da herança do regime autoritário devem ser removidas, de acordo com amplo consenso na sociedade. Assim, a Lei Falcão, o voto vinculado, a lei de greve, dentre outras, têm seus dias contados na Nova República, quer pelos compromissos do presidente eleito, quer pelo amplo apoio na sociedade para mudar estas normas que mais fortemente encarnam o regime autoritário de 64.
Parece-nos propício, portanto, que superadas as propostas mais comuns de reformas, preocupemo-nos em aprofundar a discussão sobre outros pontos da matéria constituinte que devam ser alterados.
Dentre os temas que merecem apreciação de todos os setores da sociedade e – em especial os estudiosos de Direito Constitucional e Eleitoral – está a questão relativa à iniciativa das leis.
A atual Constituição Brasileira estabelece que a iniciativa das leis cabe “a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ao presidente da República e aos Tribunais Federais com jurisdição em todo território nacional” (art. 56). Esta disposição está tradicionalmente presente em nossas Constituições pós 34, e tem sofrido pouquíssimas alterações nas numerosas reformas constitucionais que tivemos nos últimos 50 anos.
Nesse processo constituinte que o Brasil inicia, parece-nos o momento propício para alterarmos esta disposição, no sentido de democratizá-lo, ampliando o leque dos proponentes do ato de alteração das normas.
Isto é o que tem ocorrido em países onde o sistema democrático é mais estável e a sociedade civil mais complexa com um grande número de instituições formadoras da opinião.
Nenhuma lesão estará sendo cometida aos parlamentares ou aos partidos políticos se abríssemos a possibilidade de outras formas de encaminhamento dos projetos de lei, posto que sempre caberá ao Poder Legislativo deliberar sobre a matéria.
Assim, ao lado dos atuais proponentes de leis (deputados, senadores, presidente e tribunais) poderíamos possibilitar ao povo exercer a iniciativa da lei, mediante proposta encaminhada por um número mínimo de assinaturas de eleitores, número este que não deveria ser tão alto para não viabilizar qualquer tentativa de iniciativa popular.
Também parece-nos razoável que as Assembléias Legislativas dos Estados, por deliberação da maioria de seu plenário, possam propor projetos de lei. Quando a proposta versar sobre lei constitucional, a obrigatoriedade tanto no caso da iniciativa popular (assinaturas), quanto no caso das Assembléias (quórum), deveria ser maior, o que permitiria que apenas matérias do real interesse da sociedade fossem propostas.
Essas duas novas possibilidades de iniciativa das leis certamente contribuirão para uma real democratização da sociedade, além de fortalecer o Parlamento como órgão de deliberação dos projetos da sociedade.
Acreditamos que esta proposta, seguindo em linhas gerais disposições do Direito Constitucional italiano, deva ser debatida neste momento que antecede a realização da Assembléia Nacional Constituinte, não só pelos partidos mas por todas as entidades realmente comprometidas com a consolidação do regime democrático no Brasil.
(Diário Comércio & Indústria, 12/3/1985)