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A MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO PARTIDÁRIA

Antonio Roque Citadini

A atual Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n.° 5.682, de 21 de julho de 1971), é a segunda lei federal que regulamenta a atividade partidária. A primeira LOPP era de 15/7/1965 (Lei n.° 4.740). Antes os partidos políticos tinham suas funções reguladas por normas do Código Eleitoral.

A atual LOPP teve seu texto substancialmente alterado pelas reformas legislativas ocorridas nos últimos anos, especialmente pela Lei n.° 6.767, de 20/12/1979, que praticamente reformulou toda a legislação partidária.

O grande número de disposições legais contidas na LOPP, bem como as continuadas alterações que vem sofrendo a legislação, trazem as marcas do período autoritário que o País viveu nestas duas últimas décadas. Assim, nem de longe a atual LOPP pode ser considerada legislação “razoável” para uma situação de normalidade democrática, até porque – como veremos a seguir – muitas das suas alterações foram leis “casuísticas”, com o mero capricho de atender a interesses de grupos privilegiados que estavam no poder e das quais a Lei n.°6.767 chega a ser um exemplo escandaloso.

Parece-nos, portanto, imprescindível que, ao avançarmos para a consolidação de um Estado Democrático, nos empenhemos em dotar o País de uma moderna legislação partidária. Neste novo estágio da vida política do Brasil – que esperamos seja marcadamente democrático – a organização dos partidos políticos constitui-se em peça essencial. Sem partidos autônomos, fortes, enraizados na população, não há a menor possibilidade de se estabelecer uma ordem democrática, com potencial transformador, capaz de superar problemas econômicos e capaz de buscar soluções reais para a questão social brasileira.

Democracia implica, necessariamente, partidos autônomos e livres na organização interna e no funcionamento extemo. Autonomia para criar órgãos diretivos, suas formas de eleição interna, sua ordenação dos filiados; liberdade para elaborar programas, propor idéias, pregar soluções, sem sofrer censura ou repressão por parte do Estado.

As sugestões que aqui apresentamos trazem nossas preocupações com o estabelecimento de um sistema jurídico partidário com os olhos voltados para o futuro e não como meras alterações “casuísticas” com favores aos novos detentores do poder. É certo que o aprofundamento da reforma partidária estará nas mãos de uma nova Constituinte, mas é indispensável que – desde já – a legislação eleitoral traga o sinal dos novos tempos de democracia que o País conquistou.

A JUSTIÇA ELEITORAL E OS PARTIDOS POLÍTICOS

A Justiça Eleitoral vem sendo levada a assumir – especialmente nas últimas décadas – um papel de interferência na área partidária. Esta função de controle não serve às agremiações nem tampouco a este órgão judiciário especial.

A Justiça Eleitoral foi criada para organizar as eleições e os eleitores, e para esta atividade deve direcionar seus reduzidos recursos. Aliás, este ramo da Justiça, de tão relevante papel num regime democrático, vive batendo-se com incríveis dificuldades financeiras, tendo que fechar posto de alistamento para reduzir suas despesas e poder sobreviver.

Enquanto isto, nas sucessivas reformas na legislação, a Justiça Eleitoral vem assumindo obrigações tipicamente dos partidos políticos.

Estas novas disposições, além de limitarem a autogestão dos partidos, vêm forçando o órgão judicial eleitoral a criar uma enorme máquina burocrática a fim de conferir atos de filiação, de registro de diretórios, julgar brigas internas de facções dos partidos, etc.

Dentre outras incursões em áreas eminentemente “interna corporis” das agremiações, a legislação presente obriga a Justiça Eleitoral a manifestar-se:

a)no registro de comissões provisórias e diretórios;
b)na atividade de todos os órgãos partidários, estabelecendo funções e classificações;
c)na intervenção de um órgão em outro;
d)nas normas de convenções e reuniões de outros órgãos partidários;
e)no registro de chapa para os diretórios;
f)no processo de filiação partidária;
g)na disciplina partidária;
h)na fixação de diretrizes dos partidos;
i)na organização financeira dos partidos;
j)na fusão, incorporação e cancelamento dos partidos.

Esta escalada intervencionista vem trazendo todos os problemas eminentemente internos dos partidos para os gabinetes dos juízes eleitorais. Nesse ritmo, cremos que em breve não teremos uma Justiça Eleitoral, mas uma verdadeira Justiça Partidária, voltada para o controle de todos os atos “interna corporis” dos partidos.

Urge alterar esta situação. Numa reforma legislativa, que se pretenda democrática, a Justiça Eleitoral deve concentrar-se no trabalho de organizar os eleitores e as eleições. Aos partidos políticos cabe assumir o seu papel como instituições autônomas, com órgãos próprios para julgar seus conflitos e de forma completa autogerir-se, sem recorrer à máquina judicial do Estado. Sem esta responsabilidade de interferir em todo o corpo partidário, a Justiça Eleitoral poderia avançar com maior rapidez no melhor serviço na sua área específica (alistamento, campanhas eleitorais, votações e apurações). As propostas aqui alinhadas resumem nossa preocupação em que as organizações partidárias assumam, de maneira ampla, seu direito de autogerir-se.

DA FUNDAÇÃO E DO REGISTRO DOS PARTIDOS

A atual LOPP dispõe que os partidos políticos brasileiros são organizações nacionais, não se admitindo a existência de agremiações de caráter estadual ou regional. Esta conotação nacional dos partidos foi-se consolidando nos últimos 50 anos e nos parece a mais correta para a própria estabilidade das instituições democráticas. A história mostra-nos que os partidos regionais tornam-se meros feudos de “chefes” ou “caudilhos” que manipulam a organização, sem qualquer parâmetro com o interesse da coletividade.

Não há qualquer corrente doutrinária no Brasil que se oponha ao caráter nacional das agremiações, sendo que a experiência acumulada, nas últimas décadas, indica-nos a necessidade de mantermos esta posição.

A atual LOPP dispõe que a fundação do partido político se dá em duas fases: A PRIMEIRA com o registro provisório deferido pelo TSE, quando o partido organiza comissões provisórias nos Estados e Municípios, promove filiações e realiza convenção para escolha de seus dirigentes; e numa SEGUNDA FASE (um ano após o registro provisório), quando o partido já cumpriu a obrigatoriedade de organização dos números mínimos de Estados e Municípios, e passa a funcionar como entidade permanente.

Ao tratar da exigência de organização em um número mínimo de Estados (9), o TSE, ao regulamentar a LOPP, estabeleceu que, também para conseguir registro provisório, a organização já deveria possuir comissões provisórias em pelo menos um quinto dos respectivos Municípios desses Estados. Parece-nos que a legislação – para deferir o registro provisório – não deveria estabelecer tantos obstáculos e, reconhecida uma organização mínima (1/5 dos Estados, por exemplo), o partido poderia lançar-se em campanha para viabilizar-se como agremiação partidária. Assim, ao lado de se manter a obrigatoriedade de organização estabelecida para o registro definitivo pela atual LOPP (diretório em 9 Estados), abrir-se-ia aos novos partidos facilidades para se iniciarem com o registro provisório. Caso sua proposta venha a conseguir repercussão na sociedade, esta agremiação viabilizar-se-ia; caso contrário, cairia no silêncio.

PROGRAMA E ESTATUTO DOS PARTIDOS

Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica com o registro conseguido junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Ao examinar o pedido de registro, o TSE verifica se a agremiação preenche dois tipos de requisitos. O primeiro, visto no capítulo anterior, consiste em ter um número mínimo de Comissões Provisórias Estaduais (9 unidades) e Comissões Provisórias Municipais (1/5 dos Estados citados). O segundo requisito para se conseguir o registro é político, e dá-se quando o TSE examina o manifesto, programa e estatuto da agremiação.

Quanto ao primeiro item, parece indiscutível que deva o TSE examinar as condições mínimas que garantam um regime partidário pluralista com organizações, refletindo as correntes políticas da sociedade. Já quanto ao segundo grupo de exigências (previsto na Constituição e na LOPP), parece-nos pouco aceitável que em um regime democrático caiba à Corte Eleitoral promover o julgamento ideológico da agremiação. Esta função de “fiscal ideológico” do regime não é a melhor forma de se construir um Estado democrático. Até porque os membros do TSE refletem uma ou várias correntes ideológicas e nesta discussão entram conceitos extremamente polêmicos (Democracia, Socialismo, Comunismo, Liberalismo, Capitalismo, etc.). Para constatarmos a inviabilidade do sistema brasileiro, basta compará-lo com o de várias outras nações que implantaram esse sistema pluralista, e a organização partidária não sofre vetos ideológicos (Itália, França, EUA, etc.).

Neste grupo de requisitos, parece-nos que a melhor solução seria deixar ao TSE um único veto, no caso dos partidos políticos que pregam seus programas a violência como forma de ação político-partidária (neste caso o partido poderia ser tanto de esquerda quanto de direita). Quanto ao mais, caberá aos eleitores aceitar ou rejeitar as propostas da agremiação, deixando assim o TSE de julgar o conteúdo programático dos partidos.

VOTAÇÃO MÍNIMA

A legislação brasileira estabelece a obrigatoriedade de que os partidos sejam entidades nacionais, não se aceitando, portanto, a existência de agremiações de âmbito regional.

Essa conotação nacional dos partidos, conforme vimos anteriormente, fica clara na obrigatoriedade de organização de diretórios em nove Estados – no mínimo – bem como na composição das direções e a fixação da competência dos órgãos.

No entanto, a mais polêmica imposição à existência de pequenos partidos está no disposto pelo item II, do parágrafo 2.° do art. 152, da Constituição Federal, que estabelece, como condição de sobrevivência para qualquer agremiação, a obtenção de uma votação mínima de 5% do eleitorado em pelo menos 9 Estados, com o mínimo de 3% em cada um deles.

O partido que não atingir essa votação terá os votos obtidos por seus candidatos declarados nulos pela Justiça Eleitoral, podendo no entanto preservar sua organização, desde que mantenha seus órgãos dirigentes eleitos e registrados no TSE, obedecendo ao estabelecido pelo art. 12 da LOPP.

Na última eleição de 1982, essa disposição legal, felizmente, foi suspensa pela Emenda Constitucional n.° 22, de 29 de junho de 1982.

Se assim não fosse, teríamos uma tragédia eleitoral logo após as eleições, já que apenas dois partidos (PDS e PMDB) atingiram o “quórum” mínimo da lei. O PDS obteve 36,68% da votação para a Câmara Federal e o PMDB 36,46%’. Os outros partidos não alcançaram o número de 5% exigido nem a votação requerida para 9 Estados. O PDT obteve 4,94%, o PTB 3,77% e o PT 3,05% e, caso não tivesse sido suspensa, para a eleição de 1982, a determinação do art.152, perderiam sua representação parlamentar.

No momento, parece-nos indispensável discutir com maior profundidade o problema, já que se volta a propor – em áreas parlamentares – uma nova suspensão desta obrigatoriedade para as eleições de 1986, como forma de manter vivos os pequenos partidos.

O melhor seria abolir-se de vez tal disposição, pois, já tendo cumprido, quando de sua formação, as determiações legais (organizar diretórios em – no mínimo – 9 Estados), não há porque dificultar mais o desempenho da ação política dos pequenos partidos.

A exigência desta votação mínima é medida que impede a organização de partidos minoritários e, por outro lado, força a bipolarização das eleições, fato que nem sempre contribui para a consolidação do regime democrático.

O ideal seria a inexistência de qualquer determinação legal obrigando votação mínima e os partidos – livremente organizados – poderiam optar por alianças eleitorais, apresentando candidatos comuns nas eleições, fato hoje também vetado pela legislação.

Essa exigência de votação mínima, seguramente, não contribui para o avanço da democracia brasileira.

DOS ÓRGÃOS DOS PARTIDOS

A atual Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP) no seu art. 22 estabelece quatro espécies de órgãos partidários:

-de deliberação (as convenções);
-de direção e ação (os diretórios);
-de ação parlamentar (as bancadas); e
-de cooperação (os conselhos e movimentos).

Pelas nossas leis a organização partidária é feita de forma piramidal, sendo os municípios a base. Constitui, sem dúvida, um avanço na legislação brasileira esta preocupação com o município, que reflete o desejo de termos os partidos organizados “de baixo para cima”. O crescimento desmedido das cidades, no entanto, cria problemas, desatendendo a visão municipalista que subjaz a essa lei.

Com o objetivo de facilitar a organização dos partidos em cidades com mais de um milhão de habitantes, foi permitida a criação dos diretórios “zonais” ou “distritais”. São Paulo, por exemplo, tem 56 distritos eleitorais, podendo os partidos, em cada um deles, organizar seu “Diretório Distrital”. Essa divisão eleitoral das grandes cidades, no entanto, pouco contribui para a estruturação numa grande metrópole.

As preocupações da Lei Eleitoral – lamentavelmente – são todas voltadas para as pequenas e médias cidades, o que ocasiona uma estruturação partidária imprópria nos grandes centros, especialmente São Paulo.

A reforma legislativa ocorrida em 1979 manteve intocável o artigo que dispõe sobre a organização de diretórios, que é das piores para a vida partidária, uma vez que, em geral, as zonas eleitorais abrangem grandes regiões, o que dificulta a ação dos partidos. A opção por unidades administrativas (distrito) nada resolve, já que tais unidades não obedecem a qualquer critério político regional e também porque as zonas eleitorais são extensas, abrangendo regiões bastante diferenciadas do ponto de vista socioeconômico. .

A cidade de São Paulo constitui-se no exemplo mais dramático de ineficácia dessa divisão partidária estabelecida pela lei eleitoral.

Assim, temos num mesmo diretório (chamado de “distrital”), bairros dos “jardins”, bairros de classe média e regiões de favelas, o que inviabiliza qualquer ação político-partidária mais efetiva.

O ideal seria – para as grandes cidades – uma organização baseada em bairros, cada um como um distrito partidário, o que permitiria às agremiações se constituírem em canal mais autêntico de expressão popular.

Além dessa organização municipal, os partidos deveriam possibilitar uma organização partidária nas vilas, em local de trabalho e também por categoria profissional.

Parece-nos que o mais razoável para a organização partidária é que a legislação deixe de tratar de toda formação dos órgãos dos partidos, e esses, quando do seu pedido de registro, tragam em seus estatutos a formação de composição dos seus órgãos.

Assim, caberia ao partido definir de que forma agrupará seus filiados, a data das suas convenções, seus órgãos de deliberação, direção, ação ou cooperação.

Toda esta matéria de organização é nitidamente de interesse apenas interno do Partido, e este deve dar-lhe a forma que por ventura entenda melhor. Forma de escolha de candidatos, convenções e votações também devem ficar definidas pelos Estatutos da agremiação quando do pedido do registro junto ao TSE.

Ao TSE caberá apenas controlar o número mínimo de filiados em cada Município ou Estado que garanta vida legal à agremiação. Nenhuma intervenção terá Justiça Eleitoral em todo processo de organização interna da agremiação, inclusive nos casos de registro de chapas das convenções.

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

Foi a atual LOPP que introduziu a inscrição partidária através de fichas. Anteriormente, utilizava-se o critério de filiação em livros, que eram encaminhados pelos partidos ao Cartório para rubrica da Justiça Eleitoral.

A filiação através de fichas é burocratizante e obriga os Cartórios Eleitorais a organizar um sistema de conferência dos dados eleitorais do filiado e a criação de enormes fichários para cada partido.

A filiação é ato inteiramente partidário, ou, pelo menos, deveria ser. Hoje são tantas as interferências da Justiça Eleitoral em todo o processo de filiação, que ele caminha para tornar-se um ato cartorial do Estado. Esta escalada intervencionista na vida partidária deve ser barrada.

Selecionar os integrantes da agremiação é questão essencial para a constituição e vida do Partido. É preciso que estes regulem todo o sistema de inscrição nos seus Estatutos (prazos, formas, recursos, etc.).

A Justiça Eleitoral deve apenas receber – talvez semestralmente – a relação de filiados sem qualquer interferência sobre a mesma, e qualquer irregularidade na inscrição (falsificação, adulteração de dados, etc.), viria em prejuízo do próprio Partido por ocasião do registro dos candidatos na eleição, quando – aí sim – a Justiça Eleitoral confere os dados de inscrição do candidato.

Diante do que expusemos, julgamos que o ideal seria a volta ao uso dos livros de filiação (ao invés das fichas em três vias atuais), que em nada prejudicariam os partidos e pouco trabalho daria à Justiça Eleitoral.

DISCIPLINA PARTIDÁRIA

Na atual LOPP, as normas sobre disciplina dos filiados e dos órgãos dos Partidos Políticos seguem a linha da interferência estatal na vida íntima das agremiações.

Todos os partidos, em seus Estatutos, apenas repetem as disposições da LOPP, sem se preocuparem em adequá-las às especificações do partido, de seus órgãos e de seus filiados.

Ora, tratando-se de matéria intimamente ligada às relaçòes internas da agremiação, devem estas, em seus Estatutos, regular as questões relativas à disciplina. Hoje, como os partidos se omitem e o Estado se impõe, o que temos é sistema onde – com raríssimas exceções – nada é aplicado, posto que, a legislação vigente sendo exageradamente abrangente, desatende a qualquer sistema de disciplina partidária.

Estas disposições devem simplesmente desaparecer da LOPP e os Partidos – únicos responsáveis pela disciplina de seus filiados – devem regular a matéria no seu Estatuto e Código de Ética.

DAS FINANÇAS E DO FUNDO PARTIDÁRIO

As finanças e contabilidade dos partidos são fiscalizadas pela Justiça Eleitoral que deve, anualmente, receber e manifestar-se sobre o balanço financeiro do exercício findo. Toda a receita e as despesas dos partidos devem ser contabilizadas de modo a se conhecer a origem e destinação dos recursos.

Os partidos políticos estão proibidos de receber auxílio de pessoas ou entidades estrangeiras bem como de empresas públicas ou concessionárias de serviços, entidades de classe ou sindical, ou de empresa privada.

A Justiça Eleitoral exerce controle sobre o movimento financeiro das campanhas eleitorais, devedo os partidos formar comitês que se encarregarão de receber e aplicar os recursos da campanha, sendo proibida a realização de despesas através do candidato.

Trata-se, a bem da verdade, de disposições não obedecidas pelos partidos e candidatos, haja vista as campanhas faraónicas que tivemos na última eleição de 1982. Essa determinação legal – sem que a Justiça Eleitoral possa exercer um mínimo de coação aos infratores – é, na verdade, letra morta e as prestações de contas das campanhas eleitorais constituem-se em peça do maior farisaísmo.

Lamentavelmente, a legislação brasileira ainda é muito frágil no que diz respeito à interferência do poder econômico em todo o processo partidário e eleitoral. Embora proclame que punirá abusos, garantindo-se até ao eleitor o direito de denunciar culpados, quase nada é estabelecido pela legislação objetivando controlar de forma rigorosa os gastos eleitorais.

Indispensável que a legislação reforce a obrigatoriedade de se tornarem públicas as doações recebidas, bem como os gastos realizados.

Principalmente, é urgente dispor que as finanças partidàrias devam ser submetidas à discussão e aprovação nos órgãos internos do Partido, onde os filiados terão acesso a todos os dados da receita e despesas.

O Fundo Partidário, previsto no Título XIII da LOPP, constitui-se em criação auspiciosa da legislação partidária brasileira e comprovado instrumento da viabilização dos partidos.

O Fundo – chamado de órgão de assistência financeira aos partidos – é constituído de multas aplicadas através de normas do Colégio Eleitoral, recursos destinados por lei, dotações da União e doações de pessoas físicas.

Ao criar o Fundo Partidário, o legislador brasileiro visou dar sustentação financeira legal aos partidos, livrando-os de arrecadar dinheiro em fontes inidôneas – fato tão comum na vida partidária brasileira (“caixinha”, “banqueiros de bicho”, etc.) ou então de se submeterem a “lideranças ricas” (que se tornam verdadeiros “donos” do partido).

A idéia de um Fundo legal, comum a todos os partidos, é, sem dúvida, uma medida que contribui para a consolidação de um sistema partidário democrático e forma, assim, agremiações livres para lutarem por suas idéias e programas.

O ideal seria empenhar-mo-nos para o aumento nas dotações do Fundo, o que viria possibilitar aos partidos uma completa autonomia financeira.

DA FUSÃO E EXTENSÃO DOS PARTIDOS

As normas sobre fusão e incorporação partidária dispõem de maneira satisfatória sobre o problema na medida em que é delegado ao órgão máximo da agremiação – Convenção Nacional – o papel de deliberação sobre o assunto.

Quanto às disposições sobre a extinção dos Partidos parece-nos que somente caberá ao TSE tomar essa providência quando a organização deixar de comprovar a realização das eleições periódicas dos órgãos partidários de acordo com os prazos do Estatuto – ou, conforme afirmamos no início deste trabalho, o Partido propondo alteração programática optando como forma de ação política a tomada pela violência das instituições democráticas.

Quanto ao acesso dos partidos políticos ao rádio e televisão – esta matéria deve ser regulada juntamente com a propaganda eleitotal, sendo, no entanto, indispensável que a lei garanta aos partidos formas de ação através dos meios de comunicação de massa.

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

A definição do processo eleitoral tornou público o processo de decomposição da maioria das nossas agremiações. Essa instabilidade partidária é fruto da própria transição política que vivemos, onde as correntes ideológicas começam a ganhar maior clareza e, por conseqüência, o quadro partidário tende a se modificar.

Assim, nesta situação de reagrupamento político, justifica-se a suspensão, por um certo período, das normas da fidelidade partidária.

No entanto, cumpre-nos destacar que numa situação de partidos estáveis, com filiados, parlamentares e executivos com sua adesão consolidada, é absolutamente indispensável que as agremiações atentem para a questão da fidelidade partidária.

Embora por vezes criticada, e até com extremo radicalismo, o instituto da fidelidade partidária é instrumento pelo qual o partido garante o exato cumprimento – por parte de seus representantes – dos compromissos assumidos pelo estatuto e programa do partido.

Longe de ser “uma camisa de força antidemocrática”, a fidelidade ao partido é instrumento que os próprios eleitores devem cobrar de suas agremiações, pois mandatos sem vínculos acabam servindo a interesses pessoais desvinculados das plataformas eleitorais.

A forma mais estável de democracia que conhecemos nos dias atuais é a chamada “democracia pelos partidos”, isto é, a gestão dos negócios públicos passando pelas agremiações partidárias. Só num sistema partidário sólido, com agremiações livres e autônomas, é que poderemos ter um regime democrático consolidado. Para isso, é indispensável que as direções partidárias (eleitas de forma democrática pelos filiados) possam exercer o papel de dirigente, vinculando a posição de seus parlamentares e executivos aos objetivos maiores do partido.

Cabe ao partido não só fiscalizar a atuação de seus representantes, como também fixar diretrizes, para que seu comportamento parlamentar ou executivo esteja de acordo com as normas programáticas da agremiação.

Num regime democrático estável, com os partidos constituídos de forma livre e autônoma, a fidelidade partidária é instrumento indispensável que os próprios eleitores cobrarão das direções das agremiações.

Diante da exposição acima conclui-se serem necessárias alterações na legislação partidária nos seguintes pontos:

a-Afastamento de toda intervenção da Justiça Eleitoral nas questões internas dos partidos, garantindo-se, a estes, autonomia na organização interna e liberdade no funcionamento externo;
b-Estabelecimento de maiores facilidades para o deferimento do registro provisório das agremiações;
c-Os estatutos dos partidos deverão conter todas as normas que tratem da organização e funcionamento da agremiação (órgãos, prazos e formas de eleição, registro de chapas nas convenções, filiações, inclusive prazo de carência para candidaturas, mandatos partidários, disciplinas, organização financeira, etc.);
d-Fim da exigência sobre votação mínima, sendo garantida a permanência dos partidos que realizarem eleições internas dos órgãos nos prazos fixados pelos estatutos;
e-Manutenção das exigências mínimas de filiados em cada cidade, cabendo à agremiação, nos seus estatutos, prever a forma de disposição dos filiados em diretòrios municipais, distritais, núcleos ou conselhos;
f- A filiação partidária será feita em livros e, semestralmente, o partido enviará cópia aos cartórios eleitorais. Ao TSE caberá verificar se o partido tem número mínimo de filiados para funcionar;
g-As normas sobre disciplina partidária deverão estar reguladas nos estatutos das agremiações;
h-Aumento das dotaçôes do fundo partidário a fim de possibilitar maior autonomia financeira dos partidos. As doações deverão ser públicas e fiscalizadas pelos filiados e pela justiça Eleitoral;
i-Suspensão, por prazo de 12 meses, da legislação sobre fidelidade partidária;
j-Os prazos de carência de filiação para candidaturas a cargos nas eleições gerais ou partidárias serão fixados pelo partido no seu estatuto, respeitado prazo mínimo de 6 meses; e
l-Fim de qualquer veto a coligações partidárias, que poderão ser feitas obedecidas as decisões das convenções.

(Diário Comércio & Indústria, 14/2/1985)