Antonio Roque Citadini
Nas discussões sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que hoje estão sendo travadas, uma das propostas em pauta, causa espanto a todos os estudiosos dos partidos políticos.
Apoiado por setores da OAB, da Igreja e até dos sindicatos, propaga-se a idéia de termos candidaturas avulsas na eleição constituinte, como forma de escapar ao aprisionamento partidário.
Propõe-se, assim – a um tiro só -, a realização de uma Constituinte sem partidos. Somos rigorosamente contra essa idéia.
A consolidação de um regime democrático em qualquer sociedade moderna depende de um sólido sistema partidário, capaz de representar a população e gerir o Estado. Não há – em qualquer país do mundo – democracia representativa sólida sem um quadro partidário igualmente sólido.
Os partidos políticos constituem-se em agrupamento de pessoas que, com um mesmo propósito exposto no programa partidário, buscam ganhar a sociedade para ordená-la segundo seus projetos.
A Revista da OAB-SP n.° 12, de nov. e dez./84, em importante debate com juristas e políticos, traz matéria com o título “Sem partido forte não poderá haver democracia”, onde afirma: “Sem partidos fortes e representativos das grandes tendências políticas nacionais a democracia se torna frágil e, no Brasil, praticamente inviável, pois o vazio provocado por essa situação é logo preenchido pela volta dos militares, embora historicamente esta não seja a única razão de sua constante intervenção no processo político nacional.”
Em seguida a essa candente defesa do regime partidário, somos surpreendidos por posições como a defendida pelo ex-presidente da OAB-SP, Márcio Thomaz Bastos, quando, ainda na presidência, em artigo de 30.1.85, na imprensa de São Paulo, faz a defesa de candidaturas avulsas para a eleição constituinte.
Ora, isso é a decretação da pena de morte aos partidos políticos. Admitamos que o atual quadro partidário seja imperfeito (sem dúvida o é), o nosso trabalho é o de possibilitar – já para a eleição constituinte – um sistema partidário que reflita todas as correntes da sociedade e possa dar ao futuro regime democrático um quadro de estabilidade institucional indispensável para a vida política de qualquer país.
Esta posição antipartidos tem, historicamente, duas vertentes:
Uma, claramente assumida pelas correntes fascistas, que se opõem à organização política através dos partidos políticos, conforme revela Primo de Rivera em seu discurso de fundação da Falange Espanhola: “Que desapareçam os partidos políticos. Ninguém nunca nasceu membro de um partido político; em compensação, nascemos todos membros de uma família; somos todos vizinhos em um Município; nos cansamos todos no exercício de um trabalho. Pois, se essas são nossas unidades naturais, se a família e o Município e a corporação é aquilo em que deveras vivemos, para que necessitamos o instrumento intermediário e pernicioso dos partidos políticos, que, para unirmos em grupos artificiais, começa ppr separarmos de nossas realidades autênticas.” (Obras completas, Madri, 1945, págs. 22 a 24).
Mais recentemente a contestação ao sistema de democracia representativa pelos partidos foi dirigida por movimentos “suprapartidários” ou “por fora dos partidos” (ecologistas, feministas, pacifistas etc.) que tiveram grande força na Europa no final dos anos 60 e na década de 70, onde multidões – especialmente de jovens – foram arrastadas para posições que identificavam nos partidos políticos a infelicidade da sociedade e indicavam a necessidade de supera-los como instituições ordenadoras dos projetos de transformação da sociedade. Esses grupos em geral boicotavam eleições e pregavam a formação de organizações paralelas aos partidos políticos. Essas posições estão hoje – mesmo na Europa – em franca decadência, sendo o exemplo do Partido Verde da Alemanha a mais cruel opção de grupos antipartido pela fórmula de atuação como agremiação partidária no sistema das democracias representativas.
No caso do Brasil, as coisas são mais complicadas e essa posíção de Constituinte sem partidos contém essas duas vertentes acima citadas, acrescidas da pretensão de candidatura de “eminentes representantes da sociedade civil”.
Além desse tiro em seco e fatal nos partidos políticos, com sua exclusão da eleição constituinte, devemos ressaltar que “candidatura avulsa” com chance de eleger-se é candidatura rica com muitos recursos, personalista, cheia de grana e vazia de ideias. Os partidos políticos, reconhecidamente imperfeitos, são ainda – na sociedade moderna – a forma mais democrática de ordenar opiniões e os seus conflitos na sociedade.
Com candidaturas avulsas, teremos uma Constituinte dos ricos, pelos ricos e para os ricos.
É preciso garantir um sistema partidário democrático, enraizado na população e forte para garantir um regime representativo. Com candidaturas avulsas começamos pelo lado errado e, caso prospere essa ideia, chegaremos à Constituinte mais reacionária que o País já teve. Voltaremos ao assunto.
(Diário Comércio & Indústria, 7/2/1985)