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AS DESPESAS PÚBLICAS

AS DESPESAS PÚBLICAS

Antonio Roque Citadini

Em maio de 2000 entrou em vigor a Lei Complementar nº 101 que ficou conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal e tem sido alvo de inúmeras palestras, artigos e livros, ora abrangendo sua totalidade, ora especificamente alguns itens tidos como novos.

Importa considerar, neste momento, a regra do artigo 42, que exige disponibilidade financeira para as despesas que venham a ser feitas nos oito meses anteriores ao término do mandato dos Chefes de Poderes – Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Presidentes do Congresso Nacional, Câmara Federal, Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, e outros.

A norma legal é clara no sentido de que “é vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.”

Há, portanto, proibição legal de o administrador público assumir – nos oitos meses anteriores ao término de seu mandato – compromissos que não possa cumprir com seu orçamento. Proíbe, assim, ao administrador assumir, no final de seu mandato, despesas que só poderão ser pagas com recursos do orçamento gerido pelo próximo mandatário.

Assim, despesas contraídas nos oito últimos meses do mandato terão que ser liquidadas no mesmo exercício ou, isto não sendo possível, a lei exige que o administrador deixe disponibilidade de caixa suficiente para seu sucessor fazer o pagamento que ocorrerá no exercício seguinte.

No mês de outubro do mesmo ano de 2000 entrou em vigor a Lei 10.028 que alterou o Código Penal para tipificar como criminosa, com a previsão de pena de reclusão, a afronta àquele dispositivo.

Portanto, assume o risco de responder criminalmente o administrador que naquele período contrair obrigações que não venha a pagar ou a deixar saldo em caixa para o seu pagamento.

Interessante salientar que a lei não traz qualquer classificação da despesa para nela excetuar algum tipo. É objetiva em proibir o administrador de assumir despesa que não possa pagar com seu orçamento.

É inerente ao senso de responsabilidade do administrador público o zelo em todas as suas ações, especialmente aquelas que demandem gastos, as quais exigem o respeito, também, aos princípios constitucionais e às normas de licitações públicas.

No que se refere a compromissos para os quais não tenha capacidade financeira, importa considerar que se ao particular é inaceitável assumir obrigações acima de sua capacidade de pagamento, o mesmo se aplica – e com maior rigor – ao gestor público e em todas as esferas – federal, estadual e municipal.

A ação do Tribunal de Contas é de suma importância para exigir o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e subsidiar a ação do Ministério Público, principalmente nestes casos.

Na análise anual que faz dos atos de gestão dos administradores – quando examina a prestação de contas para a emissão do parecer prévio legalmente exigido – os restos a pagar constituem item próprio do relatório de auditoria e estando ali evidenciado o descumprimento do dispositivo, cabe a emissão de parecer prévio desfavorável e a comunicação ao Ministério Público para os fins da aplicação da lei penal.

É nesta linha que tenho agido nos processos a mim distribuídos como Relator, no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. É certo que se trata de um assunto novo e até polêmico, permitindo entendimento até diferente de outros julgadores.

Tenho lido sobre opiniões que trazem certa confusão ao classificar as despesas, entre outras, em continuadas, imprescindíveis e imprevisíveis. Defendem, alguns, que despesas continuadas (por exemplo: folha de pagamento, água, energia elétrica, encargos) seriam daquelas que possibilitariam ser inscritas em restos a pagar, mesmo sem disponibilidade financeira e assim não estariam adstritas ao rigor do dispositivo legal.

Entendo o contrário. Tais despesas por serem de fato continuadas, são previsíveis, constam da lei orçamentária e, exatamente por isso não constituem exceção à regra legal, a qual, aliás, reafirmo, não admite exceção.

Tratando de despesa continuada, o artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal considera “…obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, (…) que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.” Logo, as despesas continuadas mencionadas constam da Lei de Orçamento.

Se o legislador preferiu não classificar as despesas para as quais impôs as referidas regras de execução naquele período pré-determinado, dando igual tratamento a todas aquelas nele assumidas, entendo que não cabe ao órgão de controle externo fazê-lo ao aplicar a lei.

Não importa, ainda, que sejam despesas dos últimos quadrimestres do ano de 2000. A referida Lei entrou em vigor no mês de maio e foi amplamente divulgada e comentada, de sorte que não pode algum administrador alegar ignorância sobre sua exigência, nem sobre o curto período temporal para se adaptar às suas regras.

Importante lembrar que no estado de São Paulo muitos Prefeitos, no mês de dezembro de 2000, tomaram uma inédita decisão de cancelar, por decreto, despesas inscritas em restos a pagar, imaginando assim, erroneamente, que estariam regularizando a falha cometida. O assunto foi debatido no plenário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que rejeitou tal decisão e firmou orientação para que as administrações municipais anulassem aquele decreto.

Assim, deve ficar registrado que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não tem flexibilizado a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mostrou-se o pioneiro na divulgação das regras estabelecidas por aquela Lei, realizando inúmeros eventos em sua sede, na Capital, e também nos escritórios regionais espalhados pelo interior, sempre com o objetivo de alcançar o maior número de autoridades municipais envolvidas e com elas debater o assunto para eliminar dúvidas sobre a aplicação da Lei.

(Diário Comércio & Indústria, 11 e 13-05-2002, p. 2)