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O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Antonio Roque Citadini

INTRODUÇÃO

1. Lei Complementar nº 101 – Lei de Responsabilidade Fiscal

1.1 Alguns pontos de importância que se obtém da Lei

1.2 Sua abrangência

1.3 Procura evitar déficits e reduzir dívidas

1.4 Planejamento

1.5 Plano Plurianual

1.6 Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO

1.7 Lei Orçamentária Anual – LOA

1.8 Resultado Primário e Resultado Nominal

1.9 Reserva de Contingência

1.10 Programação Financeira Mensal

1.11 Contingenciamento de Dotações

1.12 Metas de Arrecadação

1.13 Renúncia de Receitas

2. Críticas e elogios à Lei

3. A atuação dos Tribunais de Contas

4. Como devem proceder os Municípios

Providências de curto prazo

a) Relatório Resumido da Execução Orçamentária e Demonstrativos

b) Relatório de Gestão Fiscal

Providências ao longo do tempo

a) acompanhamento e providências em relação às despesas com pessoal

b) vedações e restrições contidas nos artigos 34 a 42 da Lei

c) quanto aos regimes de previdência

d) quanto às empresas controladas pelo Município

e) quanto à transparência dos dados da gestão fiscal

f) quanto a novas normas de escrituração

g) impedimento de receber transferências voluntárias

5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI DOS CRIMES CONTRA AS FINANÇAS PÚBLICAS

CONCLUSÃO

INTRODUÇÃO

Tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal objetiva disciplinar a gestão dos recursos públicos, com exigências a serem cumpridas por todos os Administradores Públicos, parece-me de interesse tecer algumas considerações sobre as causas do Déficit Público, ressaltando o papel importante que exerce o Tribunal de Contas para contribuir com os administradores públicos.

Importante lembrar do anúncio de déficit zero feito no início de 1998 pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, com a pompa característica do marketing norte-americano, assim como é digno de registro, também, o exemplo oferecido pelo Governo do Estado de São Paulo, que em dois anos reduziu seu déficit orçamentário de 17,86% para 0,01%, apresentando, até, superávit em 1999.

Tais fatos levam-nos a refletir sobre o déficit público – o fantasma que, segundo o pensamento econômico predominante de hoje em dia, é um dos grandes culpados, senão o maior deles, pelas dificuldades econômicas das nações.

Em termos gerais, déficit público é a situação de os governos gastarem mais do que arrecadam, segundo um determinado período de tempo ou exercício. Boa parte dos economistas afirma que o déficit público gera a emissão de moeda e, portanto, a inflação e o conseqüente desarranjo do sistema produtivo.

É preciso considerar que a simples venda de ativos que vem sendo feita – e isto vale também para os Estados e Municípios – com as privatizações ou por meio de transferências de controle, com certeza ajuda, num primeiro momento a diminuir a dívida, porém, não produz resultados duradouros. Há de se perseguir o objetivo de equilíbrio entre as receitas e despesas. E para isto, quando não se tem acréscimo de receitas é necessário efetiva atuação para diminuir as despesas. O momento mostra alguma dificuldade para aumentar as receitas, pois observa-se uma queda acentuada da produção industrial o que implica na queda da arrecadação. E buscar maior arrecadação só com novos impostos e taxas não é o melhor caminho.

A princípio, o déficit orçamentário realmente é pernicioso, mas não só isso – e nem sempre se pensou assim. A Grande Depressão Mundial de 1929/33, por exemplo, foi resolvida por gastos políticos deficitários. Além de evitar e atenuar o desemprego, o déficit contribuiu em diversos países para a criação de infra-estrutura econômica, financiando estradas de ferro e de rodagem, usinas de energia elétrica, de aço, de petróleo, etc.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem essa visão. Procura qualificar o déficit antes de dar os seus pareceres. Há os gastos que maculam irremediavelmente a gestão fazendária do administrador público, mas há também despesas que apresentam resultados econômicos positivos, através da queda do passivo (quitação de dívidas, por exemplo) e aumento do ativo (construção de escolas e unidades de saúde), além da correta aplicação dos 25% da Educação e do respeito ao teto de 60% das receitas correntes com o pessoal, a título de exemplos.

Os fatores atenuantes, entretanto, perdem força à medida em que o déficit supere a casa, por exemplo, dos 10%, quando então passa a revelar atitude de imprevidência

No estado de São Paulo, dados de 1999 indicam que a receita de impostos alcança, em média, três quartos da renda total dos Municípios. Tal proporção já considera as transferências constitucionais (FPM, ICMS, IPVA, etc.), impostos arrecadados pela União e pelos Estados e passados aos Municípios.

Nas localidades menores, de incipiente base econômica, o FPM (22,5% do IR mais IPI) tem maior significado; nas unidades mais desenvolvidas, o ICMS responde com mais intensidade. Isso se dá porque o princípio redistributivo norteia o rateio do FPM (recursos tributários para quem mais necessita); e o princípio compensatório, do ICMS (recursos tributários para quem os gera).

Tal dependência vem se acentuando, mesmo porque é mais fácil receber da União e do Estado do que ampliar a capacidade arrecadadora. Mais grave ainda é a impassividade ante a situação de queda da receita e crescimento da despesa.

As diminuições da receita municipal relacionam-se com diversos fatores, entre eles:

– desaquecimento da economia nacional, o que encolhe os repasses de FPM e ICMS;

evasão de unidades produtivas do município, com a conseqüente perda do ICMS;

renovação, em julho/97, do FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), que retém parte das transferências federais;

efeitos da Lei Kandir, que retirou o ICMS (do qual 25% vão para os Municípios) de certas exportações;

extinção do IVV (Imposto sobre Vendas a Varejo) de combustíveis;

funcionamento, em 01/01/98, do Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental, penalizando, financeiramente, prefeituras com baixo atendimento de alunos do 1º grau.

Já as elevações da despesa referem-se a várias circunstâncias, entre elas:

1) dívidas de curto prazo herdadas da Administração anterior;

2) assunção de novos serviços públicos na área social (saúde, assistência e educação, principalmente);

3) desaparecimento da sobra inflacionária;

4) desemprego, o que eleva a demanda por serviços públicos;

5) custeio da aposentadoria de servidores que pouco contribuíram para o sistema municipal de previdência (celetistas transformados em estatutários).

As causas primárias como são chamadas as elencadas, independem da vontade política local, ao contrário de outras, secundárias.

Estas últimas, se apresentam sob a forma de orçamentos municipais irrealistas, superestimados ou com créditos adicionais sem fonte financeira de cobertura.

Nesse particular, o Deputado ou Vereador que aprova as verbas orçamentárias e adicionais tem parcela de culpa. Por que concordar com um orçamento de valor maior ao que sabidamente o Estado ou Município não conseguirá arrecadar ? Por que autorizar altos percentuais para abertura de créditos adicionais sem que o Executivo precise comprovar os casos de excesso de arrecadação?

Assim procedendo, o Deputado ou Vereador chancela, avaliza os descompassos entre receitas e despesas municipais. São atitudes que trazem de volta o ambiente institucional do período autoritário, quando o Legislativo era mero autenticador da vontade orçamentária do Executivo.

O bom agente político, o administrador competente, ao contrário, muito pode fazer em favor do equilíbrio das contas públicas, compensando, com vantagem, situações macroeconômicas desfavoráveis.

Nesse sentido, referindo-me ao âmbito municipal, é possível mencionar algumas providências que poderiam ser tomadas no sentido da aplicação da receita:

– IPTU: atualização do cadastro imobiliário e da planta genérica de valores, assim como a revisão de isenções;

ISS: utilização do regime de estimativa, fiscalização mais efetiva, adoção de alíquotas diferenciadas para os vários tipos de serviço, atualização do cadastro imobiliário;

Taxas: revisão de valores, de modo a cobrir o real custo dos serviços municipais;

Contribuição de Melhoria: instituição deste tributo especialmente para as faixas mais abastadas;

Dívida Ativa: intensificação da cobrança amigável (através da anexação dos débitos nas cartelas dos impostos lançados, parcelamentos, descontos, chamadas para negociação, etc).

Por outro lado, medidas outras deveriam ser executadas tendo em conta a redução da despesa orçamentária, como:

– realização de meticuloso planejamento de caixa, de modo a evitar despesas adiáveis e os custosos empréstimos de Antecipação da Receita Orçamentária (ARO);

renegociação de contratos em andamento, de sorte a reduzir preços e quantidades;

efetivação de rigorosas pesquisas prévias de preços como forma de baratear licitações e compras diretas e poupar o Município dos riscos de eventual cartelização de fornecedores e empreiteiros;

remanejamento de pessoal, freando novas admissões;

revisão dos salários elevados, que podem estar acumulando vantagens indevidas;

fixação de padrões de consumo de materiais, o que evita desperdício.

Em síntese, a adoção desses procedimentos têm-se mostrado perfeitamente possível, permitindo às administrações que os acolhem, alcançar bons resultados, em benefício da sociedade.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – que em suas decisões sempre se mostra atento às mudanças –, passou a exigir das Administrações, Municipais e Estadual, ação efetiva que venha a resultar numa execução orçamentária de equilíbrio. O déficit ou o superávit orçamentário, quando injustificáveis, ocupam posição preponderante na análise das contas anuais (ao lado de tantos outros itens, como as despesas com ensino; dos gastos com pessoal; dos fundos de pensão, entre outros), tendo como conseqüência a emissão de parecer desfavorável às contas anuais da Prefeitura.

Verifica-se pelo registro estatístico dos exercícios de 1995 e 1996 que mais de 350 municípios paulistas receberam parecer desfavorável do Tribunal, tendo como motivo o desequilíbrio orçamentário. Já em 1997 tal número caiu para 59 municípios, o que confirma a correta posição assumida pelo Tribunal em sua exigência. Ainda que, tratando-se de contas anuais das Prefeituras, o julgamento final seja das Câmaras Municipais, é certo que este posicionamento técnico do Tribunal conduz a uma reflexão por parte dos administradores públicos e também dos vereadores, indicando-lhes o caminho a percorrer para um resultado eficaz da administração orçamentária, refletindo, por fim, no equilíbrio das contas públicas.

O déficit é condenável porque retrata uma situação em que a administração gasta acima do que efetivamente arrecada, implicando, assim, num endividamento por conta de empréstimos que exigem desembolsos com o pagamento de juros e acréscimos, a taxas, geralmente exorbitantes, sempre trazendo, por conseqüência, diminuição do patrimônio público.

Já o superávit – que para muitos poderia ser elogiável – é também reprovável quando se fala na execução do orçamento público, levando-se em conta, sem dúvida, o seu percentual e o volume de recursos envolvidos, uma vez que inviável a existência de orçamentos zerados. Inaceitável, em princípio, o superávit orçamentário porque as finanças públicas não devem ser administradas com o fito de lucro – que estaria representado pelo superávit – mas devem ter, sim, no caso de eventual sobra de arrecadação, uma aplicação voltada para investimentos. Estes, tanto podem ser destinados à melhoria da estrutura de prestação do serviço público, com a aquisição de equipamentos e maquinários novos, como, para novas obras em benefício da comunidade.

A boa gestão é sempre reconhecida pela comunidade, não o sendo, porém, pelo superávit do balanço orçamentário, mas, sim, quando de fato suas necessidades são atendidas. Embora, via de regra, sejam muitas, espera-se que pelo menos as básicas, entre as quais, tem-se as de saneamento básico (água, esgotos); educação, saúde (inclusive assistência social), transportes, e tantas outras, sejam satisfeitas. E, na hipótese – ainda que remota -, de não existirem necessidades que devam ser atendidas, tal fato deve orientar o Administrador para promover a redução da carga de impostos.

Enfim, cabe ao Administrador implementar ações que privilegiem a boa utilização do orçamento, evitando o resultado deficitário, ou o superavitário, este, como visto, também indesejado.

Firmando posição na questão do equilíbrio orçamentário, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo exerce corretamente sua função de fiscalização do orçamento público e, até num caráter pedagógico, possibilita que os gestores do dinheiro público se orientem para a prática de atos que cada vez mais atendam à legislação, conjugando tal atendimento com a efetiva aplicação das técnicas da administração pública, trazendo, a final, benefícios para toda a sociedade contribuinte.

Vê-se, portanto, que assim agindo, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – e creio que também os demais Tribunais de Contas Estaduais – antecipou-se às propostas que foram discutidas e resultaram na edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, em especial aquelas que disciplinam a atividade de gestão dos recursos públicos com limites e controles estabelecidos com atribuição de efetiva responsabilidade aos gestores.

Exercendo seu papel de controle externo, tem o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo procurado sempre emitir seus Pareceres Prévios sobre os atos de gestão da Administração levando em conta a importância daquelas ações dos gestores que resultam na responsável condução do orçamento público, fazendo recomendações pertinentes para a correção de rumos nos exercícios futuros.

Para encerrar estas considerações, importante lembrar, como já afirmei, que o resultado de superávit não é, por si só, indicador de boa gestão. Pode até significar o contrário, pois, se houver superávit, mas, sem o devido atendimento à sociedade, nas principais atividades, quais sejam: educação, saúde, saneamento básico – a despeito dele (superávit) – ter-se-á uma administração orçamentária sem responsabilidade, o que não pode ser aceita.

1. Lei Complementar Nº 101 – LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A Lei de Responsabilidade Fiscal, como ficou conhecida a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio último, teve origem no projeto enviado pelo Governo ao Congresso Nacional para atender, no prazo de 180 dias, o contido na Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que exigiu lei complementar para dispor sobre algumas matérias.

Foram contempladas na Lei as matérias contidas nos incisos I a IV do artigo 163 da Constituição Federal, que tratam de finanças públicas, dívida pública e mobiliária, concessão de garantias, e a emissão e resgate de títulos da dívida.

Não pretendo abordar os possíveis vícios de inconstitucionalidade que são, por muitos, atribuídos à Lei, tendo-se, inclusive, notícia na imprensa sobre o ajuizamento de ação própria neste sentido junto ao Supremo Tribunal Federal.

Admito até que dos pontos colocados em discussão por quem defende a inconstitucionalidade, existem uns para os quais os argumentos são relevantes. Deixarei, porém, esta tarefa para quem não pertença, como eu, a órgão de controle externo, pois encampá-la, no meu caso, poderia vir a ser interpretado por alguns que estivesse fazendo-o para fugir de trabalho e responsabilidade, que certamente não é o caso.

Assim, afora esta discussão, é importante considerar que a responsabilidade fiscal é objeto de disciplina legal também em outros países. No nosso caso, a Lei está chegando num momento em que a política governamental é de diminuição da presença do Estado em inúmeros setores da economia.

Grandes e profundas mudanças estão sendo feitas na Administração Pública, sendo importante registrar que o equilíbrio das contas públicas, entre outros valores, independe de ideologia, de corrente política ou de partidos. O Estado não pode conviver com permanente desequilíbrio, não importando quem o esteja governando.

1.1 – Alguns pontos de importância que se obtém da Lei

A Lei de Responsabilidade Fiscal traz muitas novidades em regras, prazos e imposições. Abordarei apenas alguns pontos, os quais, sem dúvida, são de interesse e possibilitam ter uma noção geral das alterações que a norma deverá produzir nos órgãos da administração pública.

1.2. Sua abrangência

A Lei de Responsabilidade Fiscal é de observância obrigatória por todos os entes estatais, União, Estados e Municípios, compreendendo seus Poderes, órgãos e entidades dependentes.

1.3 Procura evitar déficits e reduzir dívidas

É importante lembrar a diferença entre déficit e dívida. De forma simples podemos exemplificar com o caso de uma pessoa que tenha recebido R$ 1.000,00 e feito compras no valor de R$ 1.200,00. Fez o pagamento com o total de R$ 1.000,00 que recebeu e ficou devendo R$ 200,00 para pagar depois.

Essa pessoa, portanto, iniciou o novo mês com uma dívida de R$ 200,00. Recebeu, novamente, R$ 1.000,00 e fez compras no valor de R$ 850,00. Teve, assim, no mês um superávit de R$ 150,00. Utilizou esse superávit para pagar a dívida anterior, diminuindo-a, portanto, para R$ 50,00.

Com a Administração Pública ocorre o mesmo mecanismo. Para o Administrador reduzir o estoque da dívida, terá de gerir os recursos orçamentários de forma a obter superávit.

Interessante ressaltar que a dívida quando é financiada exige o pagamento de juros, o que também é despesa e não se pode esquecer que em épocas de inflação acentuada serviu (para não dizer que ainda hoje serve), para desequilibrar o orçamento de muitos Estados e Prefeituras.

Déficit é, portanto, um resultado, enquanto Dívida é uma posição, um estoque.

1.4. Planejamento

Importante ressaltar que a nova Lei procurou privilegiar o planejamento. E bem agiu o legislador, pois, a atividade do planejamento tem grande importância para evitar que se façam gastos imediatistas, de conveniência, que surgem no dia a dia, mas sem compromisso com prioridades.

O orçamento há de ser precedido de planejamento. Não se pode admitir orçamentos feitos sem qualquer compromisso com o que se pretende executar.

A Lei de Responsabilidade Fiscal atende à exigência do artigo 165, § 9º da Constituição Federal, no que se refere à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei do Orçamento. O artigo 3º cuidava do Plano Plurianual, mas foi vetado pelo Presidente da República.

A Lei prevê que a Lei de Diretrizes Orçamentárias tenha um documento importante que chamou de anexo de Metas Fiscais. Deverá, assim, estar nele indicada onde será aplicada a arrecadação prevista.

Com os Relatórios de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, será possível ao Tribunal de Contas fazer o acompanhamento para saber se as metas estabelecidas estão, de fato, sendo cumpridas.

1.5. Plano Plurianual

O Plano Plurianual – PPA, substituiu, com maior abrangência, o então vigente Plano Plurianual de Investimentos.

É importante lembrar que o artigo 167, § 1º da Constituição proíbe investimento que demande mais de um ano de execução, se não estiver previsto no Plano Plurianual ou em lei que permita a sua inclusão.

1.6 Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO

Conforme dispõe o artigo 165, § 2º da Constituição Federal, a LDO deve conter no mínimo: metas e prioridades para o exercício seguinte; orientação para o orçamento-programa; alterações na legislação tributária. A Lei de Diretrizes Orçamentárias mostra-se um instrumento valioso para o planejamento das finanças e terá dois anexos: o de Metas Fiscais e o de Riscos Fiscais.

O Anexo de Metas Fiscais, criado pelo § 1º do 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal deve conter metas anuais, distribuídas por três exercícios. Assim, ter-se-á um triênio móvel, pois a cada ano mudará, tendo-se sempre os dados para três anos seguintes.

Tal Anexo, conforme § 2º do artigo 4º da Lei, conterá, entre outros os seguintes dados:

– avaliação do cumprimento das metas do ano anterior;

– demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo e comparação com as metas dos três exercícios anteriores, evidenciando a consistência das metas com as premissas e objetivos da política econômica nacional;

– evolução do patrimônio líquido nos três exercícios, destacando a origem e aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;

– demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receitas, e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

No Anexo de Riscos Fiscais (§ 3º) serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos que possam afetar as contas públicas, com informação das providências previstas no caso de se concretizarem.

1.7 Lei Orçamentária Anual – LOA

De acordo com a Constituição Federal, a Lei Orçamentária compreende o orçamento fiscal; o orçamento de investimento das estatais; e o orçamento de seguridade social.

Terá, ainda, um Anexo que atestará a compatibilidade com as metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou seja, se na LDO estiver previsto um superávit de 10%, a Lei do Orçamento fixará despesas em patamar inferior às receitas, no mesmo percentual. Além disto, conterá, também, como será feita a compensação de eventual renúncia de receitas com despesas obrigatórias de caráter continuado.

1.8. Resultado primário e Resultado nominal

Resultado Primário é a diferença entre Receitas e Despesas, excluindo-se tudo o que diga respeito a juros e a principal da dívida, quer pagos ou recebidos.

Resultado Nominal é a diferença entre todas as receitas arrecadadas e todas as despesas empenhadas.

Importa salientar que a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê no artigo 30, § 1º, inciso IV, que o Presidente da República encaminhará ao Congresso Nacional uma proposta de cálculo dos resultados primário e nominal.

1.9. Reserva de Contingência

Serve para atender ao pagamento de “passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.” (artigo 5º, III, b, da LRF).

1.10. Programação Financeira Mensal

A previsão da Lei 4.320/64 é de programação financeira trimestral. Agora, porém, exige a Lei de Responsabilidade Fiscal periodicidade mensal (art. 8º).

A programação financeira é instrumento de grande valia para o Administrador, possibilitando-lhe executar uma boa administração dos recursos financeiros, evitando que recorra a empréstimos onerosos.

1.11. Contingenciamento De Dotações

O acompanhamento da execução da receita permite conhecer quando sua evolução tende a comprometer os resultados pretendidos pela LDO.

Nestas circunstâncias, os Poderes e Órgãos adotarão medidas para contingenciar (congelar) parte de suas verbas e quotas financeiras e caso não o façam espontaneamente, o Poder Executivo poderá fazê-lo.

Ao Tribunal de Contas caberá acompanhar o cumprimento de tal regra, por meio do Relatório Resumido de Execução Orçamentária, alertando para o cumprimento.

1.12. Metas de Arrecadação

Sendo anual a peça orçamentária poucos municípios acompanhavam sua arrecadação em períodos menores.

Doravante, exige a Lei de Responsabilidade Fiscal que 30 dias após a publicação do orçamento a Administração deve elaborar a programação bimestral de arrecadação. Isto se mostra importante, pois possibilitará o cálculo necessário ao contingenciamento de dotações, também exigido, como já afirmado.

1.13. Renúncia de receitas

Importante a exigência da Lei, que para a concessão de benefícios que impliquem em renuncia de receitas, como: anistia, remissão, subsídios, deve haver demonstração de que tal renúncia não prejudicará os resultados da Lei de Diretrizes Orçamentárias ou que haverá compensação daquela perda, com aumento da receita tributária própria.

É uma exigência coerente que aperfeiçoa o disposto na Constituição Federal (art.165, § 6º), que determina seja o orçamento anual acompanhado de um demonstrativo, no qual a Administração revele as conseqüências finais da renuncia da receita.

2- CRÍTICAS E ELOGIOS À LEI

Entre muitas críticas à Lei, merece registro a de ser imprecisa. Traz, no seu artigo 59, previsão de que os Tribunais de Contas alertarão os órgãos executores, em determinadas situações. Isto é de uma imprecisão cristalina.

Ora, se algum Tribunal de Contas se ativer literalmente ao termo alertar, simplesmente nada fará, a não ser, quando muito, avisar o administrador daquilo que ele já sabe. Não tem nenhum sentido isto, porque o Administrador ao preparar seu relatório já terá os dados finais que lhe indicam eventual desajuste.

Logo, que proveito terá se o Tribunal apenas informá-lo, avisá-lo, do que de antemão já sabe por documento que ele próprio preparou para enviar ao Tribunal ? E o pior seria imaginar que algum administrador viesse a “mascarar” os dados para que o resultado dos demonstrativos lhe fosse favorável.

Não posso deixar de afirmar que é equivocada a idéia contida na Lei, de centralizar o controle de forma piramidal, em setores do governo federal em Brasília. Isto é impraticável e transmite a idéia de que só Estados e Municípios é que têm suas contas desequilibradas, o que não é verdade. Os órgãos federais também têm sua importante parcela de colaboração no desequilíbrio das contas públicas.

Por outro lado, tomando o exemplo paulista, o controle sobre os entes municipais e estaduais já existe e é eficaz, estando o Tribunal de Contas do Estado exercendo seu papel, com muito rigor na apreciação das contas, tendo até, como já afirmado, estabelecido limites de aceitabilidade de déficit anual, acima do qual, exige justificativas das razões de sua ocorrência.

É possível elogiar, na Lei, o estabelecimento de parâmetros e exigência de medidas para corrigir o desequilíbrio que venha a ocorrer, já que até agora isto não existia.

O Tribunal de Contas de São Paulo, como afirmado, foi pioneiro em sinalizar para a administração que o déficit é inaceitável e para tanto, leva em conta, os índices de inflação medidos no exercício auditado. Não tinha, porém, medidas legais para exigir a correção de rumos.

Considero também positiva a idéia da transparência dos dados das contas públicas, quando exige, a Lei, relatórios e demonstrativos de execução orçamentária e gestão fiscal, alguns dos quais devem até ser publicados.

O artigo 52 da Lei exige a publicação, até 30 dias após o encerramento de cada bimestre, do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, e que será composto do Balanço Orçamentário e de Demonstrativos da Execução das receitas e das despesas, sendo, ainda, acompanhado de outros demonstrativos que indicarão:

a) a apuração da receita corrente líquida;

b) os resultados nominal e primário;

c) as despesas com juros;

d) o detalhamento dos Restos a Pagar

Tal Relatório, quando referente ao último bimestre do exercício, terá ainda de informar quanto: à realização de operação de ARO (antecipação de receita orçamentária); às projeções atuariais dos regimes de previdência social; e da variação patrimonial, evidenciando a alienação de ativos e a aplicação dos recursos decorrentes.

Exige, ainda, a Lei, sejam apresentadas, com aquele Relatório, justificativas quando ocorrer: limitação de empenho, e, frustração de receitas. Deve a Administração especificar as medidas de combate à sonegação e à evasão fiscal, que tenha adotado, que irá adotar, assim como, indicar as ações de fiscalização e cobrança.

O artigo 54 trata do Relatório de Gestão Fiscal, exigindo sua apresentação ao final de cada quadrimestre e relativamente aos Poderes e demais órgãos, prevendo, ainda, seja o Relatório assinado, também, pelos respectivos responsáveis pela Administração Financeira e pelo Controle Interno.

O Relatório de Gestão Fiscal conterá comparativos:

a) das despesas de pessoal, distinguindo inativos e pensionistas;

b) das dívidas consolidada e mobiliária;

c) das concessões de garantia;

d) das operações de crédito, inclusive por antecipação de receita.

O Relatório de Gestão Fiscal referentemente ao último quadrimestre deverá demonstrar:

a) o montante das disponibilidades de caixa no dia 31 de dezembro;

b) a inscrição em Restos a Pagar, separando as despesas: liquidadas; empenhadas e não liquidadas; os empenhos cancelados.

Agiu bem o legislador em obrigar a publicação do Relatório de Gestão Fiscal, no prazo de até 30 dias do quadrimestre (§ 2º do art.55), prevendo sua ampla divulgação, inclusive por meio eletrônico.

Tenho defendido uma maior utilização do meio eletrônico para a divulgação, pela Administração, de suas realizações. Hoje isto é possível sem grandes custos. Estão aí os provedores gratuitos possibilitando a criação de páginas na Internet. É importante que este canal de comunicação seja utilizado para prestar informações à sociedade. Os contribuintes precisam conhecer como é aplicado o recurso público.

Desde 1998 o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mantém disponibilizado, em sua página da Internet, um banco de dados – SIAPNET -, contendo os dados de todos os municípios paulistas (exceção ao da Capital).

É possível a qualquer pessoa verificar os dados do município de seu interesse, conhecendo as informações gerais (população; distância da capital; principal atividade econômica; número de hospitais; de entidades assistenciais; de agências bancárias; estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, etc.), o orçamento, a receita prevista e arrecadada; os investimentos feitos.

Isto traz benefício não só ao contribuinte, que pode acompanhar a aplicação dos recursos públicos de seu município, verificando as despesas de custeio e os investimentos feitos, mas também, como ao eventual interessado em escolher um local para instalar seus negócios, pois o sistema permite que faça pesquisa, a partir de determinados dados de sua escolha.

Elogiável, portanto, a previsão de transparência dos dados de execução orçamentária.

Voltando à Lei, outro ponto de crítica é o fato de se observar duas vertentes que não combinam: por um lado, a preocupação demasiada com as despesas de pessoal; por outro, a proteção desmesurada que oferece à satisfação de compromissos de dívida financeira da administração.

Aceitável seria uma fórmula de se impedir que a Administração recorresse a bancos para obter empréstimos. A proteção que oferece é garantia somente dirigida aos credores do sistema financeiro e não ao interesse público. Ao fazer empréstimos a setores do governo, deveria, o banqueiro, avaliar os riscos, assim como faz quando o tomador é um particular. (Se bem que até débitos bancários de particulares têm tido a proteção do Governo. Basta lembrar do PROER …). Em tese, todavia, a regra é que entre banco e particular, haja avaliação de risco e obtenção de garantias próprias, sem a proteção governamental.

No que se refere às despesas de pessoal cabe ressaltar que traz a Lei inovações:

– estabelece um limite prudencial de 90% do limite máximo, ao qual deverá o Poder ou Órgão retornar, à razão de 1/24 ávos por mês;

– engloba nas despesas de pessoal os gastos com mão-de-obra terceirIzada – embora faça-o, de forma a permitir interpretação diversa, que agrada tanto os defensores da inclusão como os da exclusão;

– impondo restrições para o último exercício de mandato do governante (Prefeito ou Governador).

É fácil entender a razão de ter o Governo centrado o foco de controle nas despesas e apenas de maneira muito tímida abordado a arrecadação.

Há de se reconhecer que é mais fácil cortar despesas – principalmente as de pessoal – que executar um bom programa de arrecadação própria, envolvendo, inclusive, a execução da dívida ativa e maior rigor na concessão de incentivos.

Assim se justifica a pouca atenção dada às receitas pelo legislador. Registra-se, contudo, preocupação correta com a restrição de isenções e anistias, exigindo, neste caso, que o administrador planeje o impacto orçamentário-financeiro (art.14) delas decorrentes nos futuros três exercícios, com a demonstração de que não afetará as metas de resultados fiscais ou haverá a compensação por aumento de receita.

3. A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Quero frisar a importância dos Tribunais de Contas na fiscalização da execução da Lei de Responsabilidade Fiscal.

De acordo com o artigo 71 da Constituição Federal, o controle externo é exercido pelo Tribunal de Contas, cabendo-lhe a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos entes públicos.

Estou certo que a execução da Lei de Responsabilidade Fiscal está diretamente ligada à ação dos Tribunais de Contas. É o órgão de controle externo dos atos da Administração e, portanto, o único que primeiramente agirá exigindo o enquadramento dos Poderes e Órgãos nas regras por ela estabelecidas.

É gratificante registrar que há anos – antes mesmo de se falar em Lei de Responsabilidade Fiscal – o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem dando valiosa contribuição para o equilíbrio das contas públicas dos municípios paulistas.

Como já afirmei, o rigor empreendido há tempos na apreciação das contas anuais dos Municípios e do Estado, exigindo dos administradores execução orçamentária equilibrada, sob pena de emissão de parecer desfavorável às contas, é fator de real importância para a mudança de comportamento dos administradores, em seus atos de gestão.

Sempre atento para bem cumprir seu papel fiscalizador, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo procurou agir rapidamente para possibilitar que os órgãos fiscalizados, entre eles os Municípios, pudessem dar cumprimento às exigências da Lei.

Editou uma cartilha (que está disponibilizada na Internet, em sua página e na do BNDES) dirigida aos seus jurisdicionados, explicativa dos principais pontos da Lei. Tem como finalidade servir de orientação aos administradores públicos, objetivando facilitar-lhes a aplicação da nova norma legal.

Editou, também, Instruções próprias (também disponibilizadas na Internet) fixando prazo e regras a serem cumpridos para possibilitar-lhe o acompanhamento das metas estabelecidas e sobre as quais deverá exercer suas atribuições legais de fiscalização.

Já preparou e divulgou no Diário Oficial, os modelos de relatórios e demonstrativos que os Prefeitos e demais Chefes de Poderes e Órgãos, na área estadual e municipal, deverão apresentar ao Tribunal, na periodicidade bimestral e quadrimestral.

É mais uma vez o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo antecipando-se, no caso, aos órgãos do governo federal encarregados de fazê-lo, mas, diga-se, atitude necessária para propiciar aos jurisdicionados que possam cumprir a Lei, pois, na verdade, deveriam tais modelos terem sido editados com a própria Lei.

Com esta iniciativa do Tribunal de Contas do Estado, os órgãos estaduais e municipais paulistas, não terão dificuldade de enviar seus dados, o que, seria impossível fazer sem os modelos para os relatórios e para demonstrativos que a Lei criou.

Devo revelar aqui a preocupação que particularmente tive com os fiscalizados. Ainda que tenha o Tribunal editado as Instruções, o Manual, com os pontos básicos da Lei, entendi oportuno alertar, em especial os Prefeitos, por enquanto, quanto às obrigações de curtíssimo prazo que lhes impõe a Lei.

Para isto, proferi despacho nos processos de contas anuais dos Municípios em que me coube a Relatoria. Nele, lembro aos Prefeitos o tratamento processual que dará o Tribunal aos Relatórios e Demonstrativos que deverão entregar, já iniciando no próximo dia 15.

Tais documentos serão encartados em um Anexo ao processo principal das contas anuais. Recebidos no Tribunal serão analisados pela auditoria, e, em havendo a constatação de alguma irregularidade, será dada ciência ao Relator para adotar a decisão, que em cada caso couber, dependendo do tipo e da gravidade dos problemas apontados.

Como regularmente ocorre, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, realiza inspeção “in loco” anual em todos os seus órgãos jurisdicionados, daí que em cada Município, fiscaliza não só a Prefeitura e a Câmara, mas também as empresas e autarquias, produzindo, em decorrência o competente relatório, sobre o qual os responsáveis têm a oportunidade de se manifestar para dele tomar conhecimento e apresentar a defesa sobre eventual irregularidade apontada em atos de gestão praticados.

Entendi oportuno publicar o despacho alertando aos Prefeitos e demais responsáveis, sobre as principais obrigações que lhes cabem cumprir, lembrando as de curto prazo, que exigem providências imediatas, e as de prazo mais longo.

4. COMO DEVEM PROCEDER OS MUNICÍPIOS

Terão os Municípios providências a cumprir, sendo umas que podemos chamar de curto prazo e outras já ao longo do tempo.

Como de curto prazo podemos entender aquelas exigências que deverão ser atendidas até o final do presente exercício.

a) Relatório Resumido da Execução Orçamentária e Demonstrativos

Até o dia 15 de agosto deverá ser entregue o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (previsto no artigo 52 da Lei), acompanhado dos Demonstrativos (previstos no artigo 53 da Lei) do bimestre relativo aos meses de maio e junho.

b) Relatório de Gestão Fiscal

Até o dia 15 de outubro deverá ser entregue o Relatório de Gestão Fiscal (artigo 54 da Lei) relativamente ao quadrimestre de maio a agosto, acompanhado de cópia de sua publicação que deverá ser feita até o dia 30 de setembro.

Tal Relatório deverá conter a assinatura do Prefeito, da autoridade responsável pela administração financeira, do responsável pelo controle interno, e, de outras, a critério do Prefeito.

Já como providências ao longo do tempo, tem-se o acompanhamento que devem as Prefeituras fazer sobre a execução orçamentária, visando a adoção de medidas para a eventual adequação de determinadas despesas às regras legais. Isto além de ter a obrigação de preparar e publicar os demonstrativos na periodicidade bimestral e quadrimestral, exigidos e que servirão de base para algumas providências.

a) Acompanhamento e providências em relação às despesas com pessoal

Algumas alterações foram impostas pela nova Lei em relação às despesas com pessoal, consistentes:

1) na limitação de 60% das receitas correntes líquidas, na conformidade dos artigos 19 a 23 da Lei;

2) na vedação (Parágrafo único do artigo 21) em praticar, nos 180 dias anteriores ao encerramento do mandato do Prefeito, qualquer ato que implique no aumento da referida despesa;

3) no enquadramento gradual a que se refere o artigo 70, vigorando neste exercício à razão de 50% do excesso em relação ao total gasto no exercício de 1999, cabendo à Administração adotar medidas para tanto, conforme previsão dos artigos 22 e 23 da Lei.

4) no cômputo das referidas despesas, dos gastos com serviços de terceiros, nos termos do artigo 18, § 1º.

b) vedações e restrições contidas nos artigos 34 a 42 em relação:

1) à operações de crédito entre o Município, diretamente ou por intermédio de seus órgãos/entidades e outro ente da Federação, inclusive suas entidades, destinadas a financiamento de despesas correntes ou refinanciamento de dívidas.

2) às operações de ARO, para cuja concretização impôs, a Lei, algumas restrições, como, por exemplo, as do inciso IV do artigo 38 que impede sua realização enquanto não resgatada integralmente operação anterior e, também, no último ano de mandato do Prefeito.

3) à vedação de contrair, nos últimos dois quadrimestres de mandato do Prefeito, obrigação de despesa que não possa ser integralmente cumprida no exercício, ou que não haja disponibilidade de caixa para o pagamento de parcelas no exercício seguinte.

c) quanto aos regimes de previdência

Importante a obrigação de depósito em conta própria das disponibilidades de caixa dos regimes de previdência, conforme artigo 43 da Lei.

d) quanto às empresas controladas pelo Município

As empresas controladas pelo Município devem incluir, em seus balanços trimestrais, nota explicativa em relação ao fornecimento de bens e serviços ao Município; em relação a recebimento eventual de recursos financeiros do Município; e, em relação à venda de bens, prestação de serviços ou concessão de empréstimos e financiamentos com preços, taxas ou condições diferentes dos vigentes no mercado, conforme artigo 47 da Lei.

e) quanto à transparência dos dados da gestão fiscal

A Lei exige (nos artigos 48 e 49) que a transparência da gestão fiscal deva ser atendida com a ampla divulgação, inclusive por meios eletrônicos de acesso ao público, dos planos, orçamentos, leis de diretrizes, prestações de contas, parecer prévio, relatório resumido da execução orçamentária, relatório de gestão fiscal, além da permanente disponibilidade das contas, para apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

f) quanto a novas normas de escrituração

No artigo 50 a Lei traz normas complementares às exigidas pela contabilidade pública, as quais devem ser obedecidas para a escrituração e consolidação das contas, devendo a Administração adotar medidas para seu cumprimento.

g) impedimento de receber transferências voluntárias

O Município que não publicar, no prazo de até 30 dias de encerramento do bimestre e do quadrimestre, o relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal, ficará impedido de receber transferências voluntárias, como consta do § 2º do artigo 52 e do § 3º do artigo 55 da Lei..

5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI DOS CRIMES CONTRA AS FINANÇAS PÚBLICAS

Entendo oportuno abordar, também, a criminalização dos atos da administração pública, que está sendo objeto de projeto de lei ora em discussão no Parlamento.

Há, no meu entendimento, um engano neste ponto. Transmite-se uma idéia errada à sociedade de que todo ato que o administrador pratique com erro é criminoso. Não vejo como se possa generalizar desta maneira. Já se diz há muito tempo que errar é humano. E outros, complementando afirmam que só erra quem trabalha…

Deixo claro que também não quero, com esta afirmação, desculpar todos os erros que venham a ser cometidos pelos administradores públicos.

No seu dia a dia o administrador público precisa tomar decisões e ao fazê-lo estará sempre diante de alternativas, muitas vezes, reconhecidamente de difícil decisão, devendo escolher, dentre elas, a que melhor atenda ao interesse público. E sua decisão deve sempre ser justificada, apontando de maneira clara e comprovada as razões que o levaram a adotá-la. Não pode ser crime, portanto, fazer opção errada, para a qual o resultado que esperava não foi alcançado.

O controle dos atos da administração deve ser, como hoje é, objeto de um controle administrativo e político. Agiu sabiamente o legislador ao prever o controle externo, exercido pela ação dos Tribunais de Contas, os quais numa análise técnica da legalidade do ato examinado, ponderam, também, para o seu julgamento, a observância dos princípios constitucionais, dentre outros, os da razoabilidade, da economicidade, da igualdade, do interesse público, da eficiência.

Assim, afora o julgamento de contratos e outros atos específicos, o conjunto dos atos de gestão praticado no exercício financeiro, tem, por seu turno, um julgamento político, que é feito pelo Legislativo do ente federativo, precedido de um parecer que é emitido pelo Tribunal de Contas competente.

Para a emissão do parecer prévio anual a ser enviado ao Poder Legislativo competente, o Tribunal de Contas, referindo-me ao do Estado de São Paulo, leva em consideração a execução orçamentária e financeira praticada, aplicando, como já afirmado, o rigor quanto ao equilíbrio das contas. Não são aceitos resultados deficitários sem justificativa plausível, desprovida de sustentação.

Os casos em que se verifica terem sido praticados com irregularidade, por inobservância à lei ou aos princípios por ela determinados, afrontando, concretamente, o interesse público, merecem, estes, sim, uma investigação para possível punição aos infratores. Esta investigação é de competência do órgão do Ministério Público, até porque pode envolver não só o ente da administração pública, mas, também o particular. Cabe ao Ministério Público agir ao tomar conhecimento do ocorrido, sendo certo que o Tribunal de Contas, no caso do Estado de São Paulo, tem sempre feito a devida notificação para as providências de sua alçada.

Querer punir severamente, e indiscriminadamente como se propaga na mídia, é preocupante, porque poder-se-á punir administradores públicos zelosos, mas que ao tomar uma decisão, fizeram uma opção errada e obtiveram um resultado insatisfatório, inesperado, portanto. Esta possibilidade de punição na esfera penal cria, por si só, um desincentivo ao exercício de cargos públicos de direção, fato que traz prejuízos sérios à administração pública e nenhum benefício à sociedade.

A punição ao administrador deve, quanto possível e pelas razões expostas, ficar circunscrita ao âmbito do controle administrativo e político.

Perfeitamente recomendável o ressarcimento de danos causados ao erário, ainda que não por dolo, mas por culpa, nos casos em que esteja presente, por exemplo, a negligência.

Diferente, portanto, daquela situação em que a decisão, embora não tenha sido a melhor, o administrador consiga mostrar sustentação para sua ação, e, com elementos de clareza que mostrem a existência de alternativa para um resultado que era o esperado e que não fossem as circunstâncias, teria ocorrido. Logo, o objetivo perseguido atendia ao interesse público.

A par disto, o julgamento político também se faz necessário em casos, cuja gravidade exija o afastamento do administrador da vida pública, o que tem sido visto nos últimos tempos.

CONCLUSÃO

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo está certo de sua responsabilidade e faz a leitura que entende ser a única aceitável do artigo 59 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, já conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Vai, o Tribunal, acompanhar e exigir de seus fiscalizados o cumprimento da Lei, pois sabe que sem sua ação firme estará, a Lei de Responsabilidade Fiscal, fadada a ser uma norma só para existir no papel. Não teria qualquer efeito prático.

Com as informações recebidas estará o Tribunal apto a exercer seu papel, acompanhando: a execução das metas próprias de cada Poder e Órgão – estabelecidas segundo os ditames da nova Lei -, e, o comportamento da arrecadação e das despesas, alertando, quando necessário, o administrador para as correções exigidas, situação na qual lhe caberá controlar, também, a efetivação das medidas corretivas adotadas.

Como já afirmei, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo está empenhado em ver cumprida a Lei. No que dele depender haverá êxito, tanto que, a par das medidas que já adotou editando as Instruções, tem realizado também Encontros com os Prefeitos e Administradores Públicos para ampla discussão de esclarecimento aos jurisdicionados sobre as questões relevantes da nova Lei.

É preocupação do Tribunal paulista o resultado pretendido pela Lei, e não a aplicação de penalidade aos eventuais descumpridores das normas.

Juntando-se a este esforço, o Instituto Ruy Barbosa, entidade que congrega os Tribunais de Contas do Brasil, também realizou, em São Paulo, no dia 16 de junho, um Seminário que contou com a participação de Conselheiros de Contas de várias Unidades da Federação, evento no qual foram discutidas as formas de atuação de cada Tribunal. Atualmente tenho a honra de ser o Presidente do Instituto Ruy Barbosa, eleito que fui no referido Seminário, e, meu compromisso é o de promover permanente debate para a uniformização de procedimentos por parte dos Tribunais.

(*) Antonio Roque Citadini é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e autor de livros, entre os quais “ O Controle Externo da Administração Pública” e “Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas” – ed. Max Limonad, SP.

Revista Licitar, Julho/2000